Coimbra

Reitores dizem que lugar dos doutorados é nas empresas, não nas universidades

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 23-05-2018

 

 O lugar dos doutorados é nas empresas, não nas universidades, defende a maioria dos reitores portugueses de forma quase unânime, criticando a política pública do emprego científico, que acusam de ser um entrave à colocação de investigadores nas empresas.

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A transferência do conhecimento das universidades para as empresas era o ponto de partida de um jantar-debate que juntou à mesa cerca de 75% dos representantes das instituições de ensino superior portuguesas em Salamanca, Espanha, numa iniciativa à margem do programa oficial do IV Encontro de Reitores da rede Universia, financiada pelo banco Santander.

O debate, moderado pelo jornalista do Público, Manuel Carvalho, pretendia responder a questões como a forma de acelerar a transferência de conhecimento produzido pelas universidades e politécnicos para o tecido empresarial, mas acabou por resvalar para críticas acesas ao diploma do emprego científico, que está a obrigar as instituições de ensino superior a abrir concursos para contratar investigadores, em muitos casos, contra a sua vontade.

“A atual política de emprego científico, muito interessante em vários aspetos, nomeadamente o político, atrasa a implementação dos doutorados nas empresas”, disse o reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo.

João Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra, defendeu que “não faz sentido” o Estado aspirar a ser o grande empregador da ciência, até porque “jamais terá recursos para empregar todos os doutorados”.

É muitas vezes através de financiamento competitivo – bolsas ou fundos comunitários obtidos para financiar projetos específicos, por exemplo – que se contratam investigadores, mas que têm um prazo delimitado, por vezes inferior ao prazo fixo de contratação que lhes é imposto.

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“Quando queremos ser competitivos em termos globais estes pequenos detalhes criam enormes dificuldades. Sinto-me preso a um conjunto de regras horríveis, a um processo legislativo aleatório feito por gente que não sabe o que está a fazer. Isto é desesperante”, disse.

A este propósito Sebastião Feyo de Azevedo afirmou que enquanto as universidades não tiverem “uma ideia integrada do quadro jurídico”, ou seja, enquanto o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior e o Estatuto da Carreira Docente Universitária não forem um único diploma, não conseguirão atingir o nível de gestão de recursos humanos que querem.

Ana Costa Freitas, reitora da Universidade de Évora, defendeu que, apesar de ser essencial que as universidades persistam na missão de formar pessoas, neste momento estão “a formar mais gente do que o país é capaz de empregar”, sendo a falta de emprego nas empresas, do ponto de vista da reitora, a explicação para a recente política de emprego científico, procurando fazer do Estado a solução para o problema.

“O emprego científico está a dar o estímulo errado. Os doutores têm que perceber que têm que ser parte do setor produtivo, que não vão para as empresas escrever artigos”, defendeu o presidente do Instituto Superior Técnico (IST), Arlindo Oliveira.

Para Arlindo Oliveira há ainda o problema de os incentivos públicos à contratação de doutorados pelas empresas não serem muito eficazes, mas há também, para outros reitores e diretores, um problema de diálogo.

Daniel Traça, diretor da Nova School of Business and Economics, a faculdade de economia da Universidade Nova de Lisboa, resumiu a questão numa pergunta: “Como é que num país com tantos doutorados e com empresas com tanta necessidade deles as coisas não ligam?

A resposta para alguns dos reitores para a falta de ligação dos doutorados e universidades ao tecido empresarial é o marketing.

“Hoje valerá mais uma peça de carne do que uma vaca inteira. Uma peça para os grandes ‘chefs’ vale tanto como uma vaca inteira e não sabemos vender essa peça”, disse Fontainhas Fernandes, reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e presidente do conselho de reitores.

“São precisos dois para dançar o tango e não existe parceiro do outro lado”, resumiu Sebastião Feyo, acrescentando que só quando tudo corre bem nas empresas estas arranjam “tempo mental” para falar com as universidades.

Para Daniel Traça as pequenas e médias empresas portuguesas deviam seguir o exemplo do setor do calçado e cooperar, estabelecendo parcerias e partilhando custos.

A questão da coesão territorial e a importância das instituições para a fomentar trouxe ao debate a redução de vagas em Lisboa e Porto, mas apenas ao de leve, com Ana Costa Freitas a defender que é “um problema nacional”, mas a recusar entrar por questões políticas, e Sebastião Feyo de Azevedo, em tom de brincadeira, a dizer apenas que tinha “ouvido dizer que as universidades de Coimbra, Aveiro e Minho “se iriam solidarizar” com Lisboa e Porto.

A coesão territorial foi o foco da intervenção do presidente do politécnico de Bragança, Sobrinho Teixeira, que recusou centrar-se em questões económicas, dizendo que para o interior os alunos são importantes, mas não pelo custo por cama – em Bragança um quarto com casa de banho privativa custa 100 euros, “uma vantagem em relação a Lisboa” – mas por fixar população onde ela não existe, “pela noção de urbanidade que dá a quem lá vive”.

“Se calhar sem jovens não haveria teatro em Bragança”, disse, acrescentando que o polo de multiculturalidade em que se transformou o politécnico da cidade e a convivência pacífica de diferentes nacionalidades e religiões “é uma noção de civilidade” que deixa orgulhosa a instituição.

O IV Encontro de Reitores Universia decorreu entre 21 e 22 de maio, em Salamanca, uma iniciativa integrada na celebração dos 800 anos da universidade da cidade, a mais antiga da Península Ibérica.

No encerramento foi divulgada a ‘Declaração de Salamanca’, o documento síntese de dois dias de trabalho nos quais os reitores se puseram de acordo sobre a necessidade de ter universidades capazes “não só de adaptar-se, mas também de liderar a mudança”, dando resposta aos crescentes desafios de uma sociedade cada vez mais tecnológica e em constante mutação.

O documento reflete a incapacidade de as universidades, “por si só”, eliminarem desigualdades sociais e territoriais, mas defende que devem ser “parte importante da solução”.

Na sessão de encerramento, que contou com a presença do presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, a presidente do Santander, Ana Botín, anunciou que o próximo encontro de reitores se vai realizar em Buenos Aires, Argentina, em 2023.

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