Uma delegação da Ordem dos Médicos foi hoje ouvida na comissão parlamentar de Saúde, no âmbito do grupo de trabalho para a utilização da canábis com fins medicinais, que foi criado depois de o Bloco de Esquerda (BE) e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) terem apresentado projetos de lei que preveem o autocultivo da planta e que ‘baixaram’ à especialidade.
A psiquiatra Maria da Graça Vilar, membro da direção do Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, disse que a canábis tem componentes com “efeitos de toxicidade no sistema nervoso central”.
Segundo a médica, o seu “uso continuado” na adolescência, quando o sistema nervoso está em processo de desenvolvimento, pode levar a “haver predisposição para surgir doença mental do foro psicótico na idade adulta”.
Maria da Graça Vilar considera que a prescrição da planta como medicamento “exige todos os cuidados, um rigor estrito e controlo”, defendendo “um enquadramento regulatório cuidado” e o “registo obrigatório dos doentes numa fase inicial”.
O neurologista e especialista em Farmacologia Clínica Mário Miguel Rosa realçou que “é preciso que haja formação médica” para a prescrição da canábis como medicamento e “conhecer bem o tipo de doente a quem se pode prescrever”.
Antecedendo a audição da Ordem dos Médicos, a Cannativa – Associação de Estudos sobre Canábis invocou as “dificuldades de acesso” à substância para fins terapêuticos, apontando “o estigma e o preconceito” dos médicos em prescrevê-la.
A associação defensora da legalização da canábis considera que só o autocultivo da planta para fins medicinais, ainda que sujeito a receita médica e licença, consegue garantir o pleno acesso dos doentes aos vários tipos de canábis para tratar diferentes patologias e evitar o recurso ao mercado negro.
Durante a audição, a Cannativa exibiu um vídeo com testemunhos de pais de crianças a relatarem que o número de ataques epiléticos dos filhos diminuiu graças ao uso terapêutico da canábis.
O uso medicinal da canábis tem gerado controvérsia, com a Ordem dos Farmacêuticos a manifestar-se contra, alegando falta de dados científicos que comprovem a sua eficácia e segurança, e a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) a concordar sob condições controladas e específicas.
O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, concorda com o uso da canábis para fins terapêuticos, desde que bem regulado e com enquadramento rigoroso.
A Ordem dos Médicos reconhece num parecer que existe forte evidência da eficácia da canábis nalguns usos terapêuticos, nomeadamente no alívio da dor crónica em adultos, na esclerose múltipla, no controlo da ansiedade e como antivómito no tratamento do cancro.
Contudo, avisa que a sua prescrição deve ser exclusivamente médica, enquanto medicamento e não na forma fumada, por esta não estar suficientemente estudada em termos científicos.
O parecer, a cargo do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos, aponta para uma associação entre o consumo de canábis e o desenvolvimento de dependência, esquizofrenia e outras psicoses, bem como agravamento de dificuldade respiratória.