“Ervas daninhas” da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra é muito mais do que um curso de jardinagem

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 21-01-2018

 Em Coimbra, o projeto “Ervas Daninhas” transforma um curso de jardinagem num processo de crescimento para os alunos, oriundos de contextos sociais difíceis, que aprendem que na terra, tal como na sociedade, há espaço para a diversidade.

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O projeto, que começou a nascer em 2012, funciona no âmbito do curso de formação de técnico de jardinagem da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC) e é dirigido a pessoas de contextos sociais desfavorecidos, tais como o desemprego de longa duração, famílias desestruturadas ou a toxicodependência.

Com o “Ervas Daninhas”, o curso de jardinagem é mais do que um curso. Abandonou-se a visão “redutora” da formação em que os docentes se dedicam a despejar “matéria e a avaliar alunos” e alterou-se a relação entre aluno e professor, explicou à agência Lusa o coordenador da iniciativa, Cláudio Carvalho.

Dando mais do que o plano curricular, há módulos ligados à proteção da natureza, à sustentabilidade e à preservação do meio ambiente, aprende-se a fazer jardinagem sem adubos e dinamizam-se vários trabalhos fora da Quinta da Conraria, da APCC, nomeadamente nas escolas, onde os alunos passam os seus conhecimentos às crianças.

Já na Quinta da Conraria, no âmbito da iniciativa, os formandos ajudam a reflorestar uma antiga zona de eucaliptal com plantas autóctones, num projeto que procura inculcar uma visão “mais orgânica, mais holística” daquilo que os rodeia, vincou Cláudio Carvalho.

É aqui que as analogias entre a jardinagem e a sociedade se formam.

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“Quando olhamos para o campo, vemos que tudo tem um valor. Uma erva daninha não é só uma simples erva. As ervas, todas elas, têm a sua função e valor. É isso que aprendem e, quando vão para os jardins, olham para o seu trabalho e para os jardins de uma outra maneira”, sublinha o coordenador do projeto.

Segundo este engenheiro agrónomo, “a sociedade está formatada para certos moldes, como a agricultura convencional está formatada para certos moldes. Tudo o que está fora desses moldes não é importante ou não interessa ou é negativo. Aqui, vemos o outro lado: que tudo é importante, tudo tem o seu lugar”.

No âmbito do projeto, os formandos, muitas vezes encarados como “ervas daninhas” na sociedade, acabam por se sentir valorizados.

“Não ganham apenas conhecimentos na área da jardinagem. Há também uma alteração interior da própria pessoa. Encontram um sentido para a vida e percebem que as coisas são mais simples, como no campo, em que as plantas apenas precisam de água, sol e terra”, aclara o coordenador do projeto, frisando que a maioria dos formandos acaba por ser integrada no mercado de trabalho.

As palavras de Cláudio Carvalho são corroboradas pelos alunos que estão prestes a terminar o curso.

João Paulo, da Gafanha da Nazaré, andava “na má vida”, metido “no álcool e nas drogas”, antes de chegar ao projeto, e encara o “Ervas Daninhas” como “uma salvação”.

“O contacto com a natureza, com as pessoas, ajuda a gente a integrar-se na sociedade. Sou completamente diferente. Eu era uma pessoa que vivia muito à base de vícios e, desde que entrei aqui, cortei praticamente com tudo. Agora, tenho o vício de andar aqui a mexer com a terra”, conta o homem de 49 anos, que tem agora a perspetiva de arranjar emprego num município da região.

Mário Gabriel, que estava desempregado “há uns anos”, chegou ao curso para adquirir formação profissional, mas acredita que ganhou muito mais do que isso.

“Nós éramos pessoas problemáticas. Éramos umas ervas daninhas e, como pessoas, tornámo-nos diferentes. Empenhámo-nos, dedicámo-nos e chegámos aqui e de certeza que vamos vencer”, frisou.

O projeto, explica o coordenador, tem como mais-valia “a resiliência”.

“A natureza molda um bocado o caráter. Torna-os mais fortes e com uma capacidade de adaptação e de resposta maior. Leva-os a ter mais sucesso e a levar uma grande bagagem para depois responder às dificuldades do dia-a-dia”, frisa.

Armando Jesus, de Coimbra, que termina a formação no final deste ano, assegura que vai sair do projeto “com uma outra estrutura e com uma outra visão”, não apenas da jardinagem, mas da vida.

Na quinta-feira, Armando estava a plantar espécies autóctones no antigo eucaliptal da Quinta da Conraria e acredita que, no futuro, um “sobrinho do sobrinho” pode passar por ali e dizer que foi o seu tio “que plantou aquela árvore”.

“Fica uma obra feita hoje para amanhã, para um mundo que espero que seja melhor do que aquele que eu encontrei”, disse.

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