A avaliar pela semana que passou, os portugueses gostam de eleições, desde que sejam para escolher a canção que vai representar o País na Eurovisão ou o concorrente a sair do reality show do momento da TVI. Ambas as votações são suscetíveis de provocar debates exacerbados, proclamações inflamadas e até o fim de amizades que se julgavam robustas. Já a democracia a sério, essa parece ser uma chatice…
Lemos as notícias e os comentários e a lengalenga repete-se até à náusea: as eleições antecipadas vão parar Portugal, os custos são insuportáveis, a desestabilização é certa e uma sentença de morte. A dramatização é generalizada e parece querer convencer-nos de que a suposta instabilidade que aí vem irá provocar uma disrupção inultrapassável numa nação que funciona como um relógio suíço.
A maior parte dos protagonistas desta tentativa de vaga de fundo é absolutamente previsível… Aliás, até diria que, no dia em que os presidentes da Confederação Empresarial de Portugal, da Confederação de Agricultores ou da Confederação do Turismo não nos vierem avisar contra os perigos da democracia, não só um santo cairá do altar, como pelo menos um daqueles responsáveis será capaz de passar pelo buraco de uma agulha.
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E o Plano de Recuperação e Resiliência, senhores? Coitadinho do PRR e coitadinhos de nós sem ele! Mesmo que o presidente da Comissão de Acompanhamento do sacrossanto fundo de apoio garanta repetidamente e a pés juntos que há condições mais do que suficientes para manter o seu ritmo de execução, os Cavaleiros do Apocalipse do PRR garantem que a democracia é inimiga do progresso e da prosperidade.
Mas afinal, o que vai ao certo acontecer? Que colapso é este que nos querem convencer ser inevitável? Nas escolas e universidades, os professores não saberão que matérias lecionar? Os comboios chegarão mais tarde pela ausência de um governo em plenitude de funções? As Finanças deixarão de nos cobrar impostos por não ser certo onde serão aplicados?
Ou, mais provavelmente, não serão as eleições antecipadas simplesmente um ótimo bode expiatório para quem não tem interesse em encontrar as razões verdadeiras para as insuficiências das políticas públicas?
No dia 18 de maio, os portugueses irão falar. Saber se a razão que levou a essa circunstância é legítima ou uma manobra de diversão é importante para avaliarmos o calibre da nossa classe política e, até, decidir o sentido de voto, mas está longe de ser o fator decisivo. Porque, por mais que haja quem tenha interesse em que isso não seja evidente, não há nada mais importante do que ouvir a voz do povo.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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