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Instalação em exposição etnográfica na Figueira da Foz visa peças do período colonial

Notícias de Coimbra com Lusa | 8 horas atrás em 14-03-2025

 Uma instalação artística aplicada a uma exposição etnográfica do museu municipal da Figueira da Foz, constituída por objetos do período colonial provenientes de Angola e Timor, contesta a informação original e deixa as peças expostas menos visíveis.

Intitulada “Confrontar o legado colonial no museu”, a intervenção surgiu no âmbito da conferência internacional “Descolonizar museus e coleções coloniais: para uma agenda e métodos transdisciplinares”, que termina hoje na cidade litoral do distrito de Coimbra, reunindo especialistas de vários países.

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Em declarações à agência Lusa, Elisabete Pereira, investigadora da Universidade de Évora e coordenadora do projeto Transmat – que investigou origens e histórias de objetos do período colonial entre 1850 e 1930, presentes nas coleções do Museu Municipal Dr. Santos Rocha e do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa) – disse que a opção passou por destacar a nova informação, muito mais visível dos que as próprias peças expostas.

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Um pequeno texto que acompanha a instalação artística, que tem curadoria da própria Elisabete Pereira, com a colaboração de Maria Figueira e Alexandra Marques, refere que a intervenção, que pretende confrontar o público com o legado colonial existente no Museu Dr. Santos Rocha, “condiciona diretamente a leitura direta do objeto, comprometendo a visibilidade (…)”.

Questionada se a opção da instalação pode pôr em causa a própria função do museu municipal – já que as mensagens, em português e inglês, colocadas nos vidros sobre a origem e a história das peças, se sobrepõem aos próprios objetos expostos – a investigadora da Universidade de Évora frisou que os artefactos em exposição se mantêm nas vitrinas e não foram retirados ou escondidos.

“Podem ser vistos na sua plenitude, mas mudámos o tom da iluminação, para que tenha mais visibilidade esta camada que acrescentámos. Queremos dar destaque a essa nova informação, mas toda a gente vai ver os objetos, ninguém está a esconder objetos nenhuns”, vincou.

Na vitrina central da sala de Etnografia (que tem sido renovada, resultando a atual de um trabalho de museografia efetuado em 2014), estão três esculturas, oriundas de Angola, uma delas representando o Deus da Guerra. Parte da informação original frisa que se trata de uma escultura ‘nkisi’, identificada pelo fundador do Museu, Santos Rocha, como Deus da Guerra, “embora não se apresente em posição ameaçadora”.

Sobre este objeto, a instalação artística juntou-lhe informação recolhida na investigação do projeto Transmat, com colagens de pequenos textos diretamente em frente à escultura, uma constante ao longo da sala, que dita, agora, que se trata de um artefacto “saqueado pelos portugueses, em 1902, na expedição comandada por João Jardim”, o militar que viria, um ano depois, a doar a peça ao museu.

Os textos sobre as duas restantes esculturas angolanas, também doadas por João Jardim, aludem à sua origem num conflito armado conhecido como a guerra de Quitambico, em março de 1902, há 123 anos, e incorporam referências a saques, pilhagens e destruição de 41 aldeias, efetuadas, à época, pelos militares portugueses.

“A obsessão europeia pelos objetos africanos esvazia-os dos seus sentidos e anula as suas funcionalidades”, lê-se numa frase colocada no topo da mesma vitrina.

Outras frases, sobre a coleção de Angola e Timor (esta última terá sido adquirida) da sala de Etnografia do museu, integralmente doada pelo militar João Jardim (que morreu em 1907), apontam a “coerção e violência associadas à formação das coleções” em exposição, “informações imprecisas e redutoras sobre as práticas socioculturais e os hábitos alimentares das populações africanas” ou, entre outras, que “as pilhagens, os roubos e as obtenções em contextos coercivos compõem parte das coleções dos museus”.

Apesar da instalação artística apenas incidir sobre os objetos doados pelo militar João Jardim e que estão na sala de Etnografia, o Museu Municipal Dr. Santos Rocha (1853-1910, o arqueólogo que também foi presidente da Câmara e provedor da Misericórdia), possui uma reserva etnográfica visitável, com milhares de peças oriundas de todos os países de língua portuguesa, mas também da China e Japão, onde, entre os 17 doadores das coleções, apenas figuram dois militares e apenas um, precisamente João Jardim, terá estado em contexto de guerra nas ex-colónias.

Ouvida pela Lusa à margem da conferência internacional, Manuela Silva, chefe de divisão municipal do Museu, Património e Núcleos do município da Figueira da Foz, e também coordenadora, com Elisabete Pereira, da intervenção artística de confrontação do legado colonial da própria instituição que dirige, defendeu que as instituições museológicas têm de se abrir à colaboração exterior e às comunidades.

Questionada sobre se uma instalação em cima de uma exposição existente poderá diminuir a própria função do museu, respondeu que é “exatamente o contrário”.

“Acho que alarga a nossa missão. Aquela era uma exposição, desde sempre, feita pelas pessoas que trabalham no museu, com a nossa visão. Esta exposição abre a possibilidade de todo o público visitante poder dar a sua opinião”, argumentou Manuela Silva.

Na sua opinião, na sala de Etnografia do Museu Municipal Dr. Santos Rocha está agora patente uma mostra, que admitiu poder ser polémica, envolvendo três dimensões diferentes: “A exposição que lá está, a instalação que a questiona e a opinião que queremos das pessoas. Temos de tentar fazer explorações colaborativas, ouvir os outros. Não ser só o museu e a equipa do museu a definir as narrativas que temos sobre as peças”, reafirmou Manuela Silva.

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