Descobri a poetisa sueca Margareta Ekström, com o verso: “se a vida não fosse tão insubstituível, talvez, ousássemos utilizá-la. Porém, arrumámo-la na prateleira como um vistoso par de sapatos, sendo bonito de se ver, mas não para uso diário. Assim, continuamos por aí sentados numa expetativa descalça.” Logo vi que o tempo que dedico à investigação literária é insuficiente.
Não conhecia Margareta e a sua delicadeza de enxergar o que poucos veem. Sinto precisar de um manifesto que encha as minhas mãos de oxigênio e força para caminhar entre os errantes. Nada é mais urgente do que abrir a porta e sair para olhar a cidade, as pessoas, as florestas e os animais, os campos de girassóis, as estradas, os destinos, as missões e o descalabro humano. Essa miscelânea de acontecimentos importa quando estamos atentos aos instantes e detalhes que muitas vezes são ignorados pelos outros. Será?
A consciência voltou e sinto-me entusiasta a fazer “só” as coisas das quais eu gosto (como se fosse possível) ganhar tempo para viver o espetáculo. A vida, por mais complexa ou singela que possa parecer, é uma potência e, sinceramente, muitos a têm em baixa conta.
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Na adolescência, eu via as pessoas no seu pior e no seu melhor a contabilizarem em quantidades desiguais os seus interesses, contribuições, ganhos ou perdas, e com o mundo a picar a nossa alma, ainda estamos aqui a assistir pelos meios de comunicação a injustiça, que há perto e longe, sem mover um dedo.
Há os que choram, os que riem, os que matam, os que se livram do bem e do mal e os influenciáveis que não sabem História e permanecem avessos ao contraditório. Muitas das misérias transformam a água em veneno, e os entorpecidos pensam que são eternos e que nos matam de exaustão.
O que diz Margareta e não conseguimos decodificar? O que ela fala parece tão prosaico, um verso, um poema íntimo condensado de lamento. Uma luz na escuridão na presença de sonâmbulos.
Não sei por quanto tempo vamos manter a prática de deixar para lá a vida e os seus mistérios, a domesticar as picuinhas do meio social, enquanto a curiosidade, a invenção e a ousadia continuam nas mãos daqueles que subestimam a vida. E, “assim, continuamos por aí sentados numa expetativa descalça” com a vida entre nós.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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