Opinião
A bordada
Quando cheguei à Marinha, julgo que o sistema ainda se mantenha, o trabalho era dividido em quartos de quatro horas. Em terra, no regresso de missões que no meu caso foram sempre de resgate e fiscalização das pescas, metade ficava ao leme, outra metade dispensava. A bordada era isto. E isto é o que temos na Pátria.
Um país aflito para torrar 16 mil milhões de euros, que tudo pagam, seja o carro dos bombeiros ou as seringas no centro de saúde.
Sem estratégia, mas com plano, abrimos as portas aos pato bravos, há que fazer, torrar, gastar.
Foi assim com as agendas mobilizadoras, não seria melhor ganhar escala, é assim com os solos.
O país vive em bordadas. Há dinheiro gasta-se, não há, corta-se. E tanto que havia para gastar. Gastar bem.
Mas não. Veja-se o encerramento da Estação de Coimbra. Todas as cidades que eu conheço, e servidas de comboio, têm uma estação no seu miolo. Nós aproveitamos para desmantelar, ou melhor, como diz a Metro Mondego, “será desativada definitivamente a ligação ferroviária entre as estações de Coimbra B e Coimbra (também conhecida por Estação Nova)”.
À troca ficaremos com doze autocarros por hora, prolongando o disparate que foi arrancarem os carris do Ramal da Lousã.
Outro exemplo de onde não gastamos, é na literacia digital. As pessoas não querem ler jornais, não aprendem e a informação fica na mãos dos privilegiados, que a lei não é para todos.
Como aquele sindicato, com sede em Coimbra, que tem um serviço privativo de transmissão de conteúdos informativos. Conteúdos que alguém faz e alguém paga. E alguém compra. É o negócio. Mas eles lá arranjaram maneira de promover o milagre dos pães e, assim, aparece o “conteúdo de acesso restrito, disponível apenas para sócios”.
A bordada também se nota nisto, nos que cumprem a lei e nos que a incumprem.
Reflexo de um país bordoado, dividido a dois. Com tanto dinheiro, lá conseguiram arranjar 14 milhões de euros para uma ajudinha aos concelhos da Região Centro, mais afetados pelos incêndios rurais de setembro de 2024.
Auxílio financeiro, chamam-lhe eles, enquanto vão fechando os bancos no Interior.
Escolas, centros de saúde, tribunais e agora os bancos. Era melhor vender metade do país a Castela, do que deixá-lo assim ao abandono.
Mas há esperança.
A Hungria perdeu oficialmente mil milhões de euros em fundos europeus, congelados devido a violações do Estado de direito por Budapeste, segundo a Comissão Europeia. Foi a primeira vez que tal aconteceu na União Europeia. Um Estado de direito trata todos por igual.
Não parece. Com tanta aflição em gastar dinheiro, destruímos património, natural e edificado, e não cuidamos do essencial. A industrialização, que ainda não vão duas décadas, empurrámos para Oriente, na miríade da globalização.
Também não pomos o ensino a funcionar e chamamos os velhos, agora são 700 médicos, para ajudar a resolver o caos no Serviço Nacional de Saúde, o cliente mais generoso da contratação pública.
Não cuidamos de formar os próximos, nem de atrair emigração e assim não só teremos significativa escassez de quadros, como também vão escassear os formadores. E, em duas décadas, o povo.
Somos isto. A bordada, de um lado os servidores da Democracia, do outro os abusadores que impõem ditames sobre incautos cidadãos.
OPINIÃO | AMADEU ARAÚJO – JORNALISTA
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