Opinião
Fraqueza
Faz cinco anos que eu deixei de escrever cartas, porque os destinatários não interagiam. Sucumbi ao privilégio da solidão, mas, vejo-me como aquela jovem que chamamos de esperança, que um dia receberá notícias do carteiro. Sinto que após ter abandonado alguns vícios a vida melhorou. Nada do que me acontece é sorte, e custa equilibrar a minha ambivalência no meio do deserto.
Ando enfurecida com o livre arbítrio destinado aos que também não pensam. No fim da tarde sentei-me num bar e pedi uma água, a minha audácia não tem nenhuma contraindicação, logo é fácil ser eu mesma onde quer que esteja. Alguns ainda se preocupam com a minha reputação, mas, refuto qualquer ideia que diga o contrário sobre a minha índole.
PUBLICIDADE
Contento-me em ser invisível num espaço democrático de profunda insatisfação, onde as pessoas bebem para esquecer que no outro dia estarão vivas. Não sei quem são os miseráveis dessa história, porque os lúcidos, parecem que não têm sentido de orientação.
Mas, naquele dia eu estava determinada em contar uma história que não fosse a minha.
Perguntei a dois bêbados “por qual razão bebem”, e a resposta foi equivalente à pergunta – para esquecer. Sem conhecimento empírico, concluí que o teor de álcool na bebida é o esquecimento, e com ele a demonstração primitiva de como é ser um flâneur na vida.
Mantenho-me com o propósito de inquirir também, os bem-amados, porque eu quero a memória descritiva dos acontecimentos, quero sentir a dor de viver a admitir ou não que existe um destino lá fora.
Há sentimentos que as palavras não dizem, por exemplo, o poder de fechar os olhos e de saber quem eu sou e imaginar que em alguma parte do mundo há alguém com roupa a cantar e dançar debaixo do chuveiro. Essa é a sensação perpétua de brasa sob os pés, sem promessas definitivas e desejos inconcebíveis para conseguir cumprir ao menos com dignidade as minhas fraquezas.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
Related Images:
PUBLICIDADE