“The Scarlet Drop”, o emblemático filme do cineasta norte-americano John Ford perdido há mais de 100 anos, surgiu este ano entre o pó de um armazém da capital chilena, escondido entre um lote de rolos de filme antigos.
Em janeiro deste ano, o académico chileno da Universidade de Viña del Mar, Jaime Córdova, comprou um lote de filmes a um antigo colecionador do bairro de Providencia, na capital, que desconhecia o seu conteúdo e do qual se queria livrar, depois de os ter mantido armazenados mais de quatro décadas.
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Depois de rever o material, Córdova percebeu que tinha em mãos nada mais, nada menos do que “The Scarlet Drop”, filmado em 1918 e um dos 26 westerns que Ford filmou com Harry Carey, uma das primeiras estrelas do cinema mudo.
“Não creio que algo tão importante como encontrar um filme perdido de John Ford volte a aparecer na minha vida. Sempre se admirou o trabalho de Ford, mas encontrar um filme que ainda por cima estava perdido? É como encontrar um Santo Graal”, destacou Córdova na quinta-feira à agência Efe, numa entrevista telefónica.
“Todas as descobertas são circunstanciais. Muitas vezes consegue-se obter informações de alguém que tem filmes numa feira ou cujo pai tinha sala de cinema ou era colecionador e quer vendê-los”, acrescentou.
O filme do lendário realizador, seis vezes vencedor de um Óscar, foi submetido a um minucioso processo de reparação que durou meses e incluiu a limpeza com álcool isopropílico e álcool de melaço, necessários à conservação dos materiais cinematográficos.
As emendas foram também refeitas e digitalizadas em 4K (ultra alta definição) na Cineteca Nacional do Chile.
“Não lhe quero chamar restauro. Obviamente que houve uma reparação no suporte do filme, mas a imagem não sofreu qualquer intervenção. Se virem o trailer, a qualidade da imagem do nitrato é extraordinária”, frisou.
“O nitrato arde espontaneamente a 40 graus de temperatura, como se estivesse em processo de decomposição, mas quando abri as latas o filme estava perfeito. São reviravoltas do destino, que permitem que alguns filmes sobrevivam e outros não”, concluiu o orgulhoso descobridor.
O filme de Ford, um dos cineastas mais influentes da história e autor de clássicos como “How Green Was My Valley!” (1941) ou “The Searchers” (1956), conserva as tonalidades originais de 1918, tons rosa, azul e ocre, característicos da técnica utilizada na época para dar cor aos filmes e evitar o monocromático do preto e branco.
Córdova decidiu manter as manchas de fungos na fita devido à sua idade porque refletem “a marca do tempo”.
“Faz parte do charme. Tem 106 anos e tem todas estas marcas históricas”, lembrou.
O filme, que aborda questões pouco exploradas na época como a desigualdade social, a luta de classes ou a marginalização, foi apresentado de forma inédita no passado mês de setembro no Festival de Cinema Recuperado de Valparaíso.
“Alunos meus disseram-me: ‘Professor, agora compreendo a natureza fordiana do cinema de Ford’, ou seja, os rituais, as situações melancólicas, as diferenças sociais, os anti-heróis e aquela fotografia extraordinária”, contou ainda Córdova.
O académico lamentou, no entanto, que “no Chile ninguém lhe tenha dado importância” e que “poucas pessoas sabem quem é John Ford e a sua importância para o cinema”.
“Quem sabe se algum festival europeu terá interesse em exibi-lo (…) O que interessa é que um filme de um mestre como Ford esteja novamente disponível”, concluiu.
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