Opinião

Excesso de zelo do Ministério Público

OPINIÃO | Rui Avelar | 12 minutos atrás em 17-11-2024

Continua a intrigar-me o afã com que, frequentemente, o Ministério Público promove a sujeição das averiguações a segredo de justiça.

Imaginem os leitores, então, quando a entidade titular da acção penal se bate por pôr a investigação a coberto do segredo antes, até, da abertura de um inquérito do foro criminal…  Trata-se de um excesso de zelo capaz de ‘cheirar a esturro’.

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Dir-me-ão que um inquérito não está sob segredo antes de ser aberto. Talvez sim. Ou talvez não, a avaliar por uma resposta, que acabo de receber, de indeferimento da minha pretensão de consulta dos autos do processo de mãe e filho falecidos, há 11 meses, em Coimbra.

Na comunicação do MP, que é coadjuvado pela Polícia Judiciária, pode ler-se, preto no branco, que a investigação foi posta sob a alçada do instituto do segredo de justiça a 14 de Dezembro de 2022 (um ano antes de ela ter começado).

Neste contexto, a entidade titular da acção penal aponta para um prazo de duração máxima do inquérito de 14 meses (até meados de Fevereiro de 2025).

Ao justificar a duração da investigação, o MP remete para a articulação (cito) dos “artigos 276º., nº. 03, alínea a) e 215º., nº. 02, ambos do Código Penal”.

O que o MP quis invocar, ao indeferir a minha pretensão, consiste em normas do Código de Processo Penal (não do Código Penal).

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Parafraseando uma interpretação imortalizada por Amália Rodrigues, ocorre-me dizer que “tudo isto existe” apesar de ser triste.

Os casos provocaram alarme social, devido às estranhas circunstâncias inerentes às mortes e aos rumores de que poderão ter sido causadas por ingestão de alimentos e/ou bebidas.

Um especialista em Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, disse, há 11 meses, que os resultados de análises efectuadas pela autoridade sanitária estariam disponíveis até ao final de Janeiro de 2024.

Em bom rigor o despacho a dizer-me para estar quieto durante mais três meses é nulo por deficiente fundamentação.

A parte positiva da informação reside na circunstância de a conjugação dos artigos 276º., nº. 03, alínea a) e 215º., nº. 02, ambos do Código de Processo Penal, permitir decifrar que o MP admite a ocorrência de um crime (homicídio simples?) punível com pena de prisão superior a oito anos.

Os meus votos são no sentido de que o narrado excesso de zelo (e abro parêntesis para fazer notar que a aplicação do segredo está consolidada na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) se repercuta no sucesso da investigação.

OPINIÃO | RUI AVELAR – JORNALISTA

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