Opinião

À escuta, tragam o piloto!

Opinião | Amadeu Araújo | Amadeu Araújo | 4 dias atrás em 15-09-2024

Já não está lá, a “Venda da tia Maria Gaga, na Ponte do Abade”, que conhecemos de “O homem que matou o diabo”, de Aquilino Ribeiro, por estes dias a celebrar 139 anos de nascimento. Também já não existe a Taberna do ti Salgueiro, na rua de Santa Maria, em Castelo Branco, onde ia comprar meio quartilho de vinho nas minhas andanças infantis. Também o “Costa”, que servia mealhadas com salsichas e cebolada, mais um parafuso de branco fechou portas.

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É nestas vendas, tabernas, tascos, que se sabem as novidades. Ou, melhor, sabiam.

Hoje é tudo mais moderno e foi numa pastelaria de Celas, onde aproveito para levar pão e croquetes para casa, que soube do piloto.

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Um piloto de acalmia de tráfego na Quinta da Portela, ideia da Câmara de Coimbra e assim ficaremos, por uns dias sem rua da Sofia e de João das Regras.

Bom, regras, tal como as vendas, já as perdemos há muito. Temos 0,1% da população portuguesa sob escuta. Alguns durante anos, abusadores, escutados dias a fio, em conversa com as amantes, a encomendar vinho, uma ganza talvez. Nem sei se no tempo da outra senhora era assim, sem livre-arbítrio, uma metáfora que transforma a vida num jogo onde cada um de nós tem uma carta especial, eletrónica. Sim, anda aí um professor de Direito a escudar pela notificação eletrónica, num país moderno que deixa escapar cinco meliantes da pensão.

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Uma notificação eletrónica e as dez mil escutas em Portugal, feitas com autorização judicial, espera-se, e a tremenda falta de recursos porque há muitas mulheres na corporação e estas desatam a parir, atrasando os processos.

Que o país não se tenha escandalizado, só nos diz da apatia que certas pessoas nos provocam. Mas isto sou em a magicar, mancomunado com os do conluio contra o Ministério Público denunciado pela PGR.

Normal, num país que tem três pilares soberanistas, nenhum deles o Ministério.

Esperemos que o professor de Coimbra tenha discernimento para saber quando e como usar essa carta. Imaginem um velho, a dirimir as extremas do terreno e um email para ir a julgamento. Se nem a carta dos correios chega a dias, que dizer da comunicação eletrónica com que nos pretender modernizar, para despachar o avolumar de processos nos tribunais que esses não merecem reparo.

Desconfiada, a Câmara de Coimbra preteriu a Universidade da terra, e do país, para ir à do Minho buscar cenário e possibilidades, para os seus desejos mais profundos.

O piloto na Quinta da Portela, “uma zona residencial com muita gente a viver e que justifica a criação de uma zona 30 quilómetros por hora de velocidade máxima”, decorre nesta semana da mobilidade e resulta da parceria com a Universidade do Minho.

Sobre a duração e os méritos dos técnicos, não meto ferros. Mas veio técnico, o senhor Cardoso, explicar-me esse “protótipo” de alterações em dois arruamentos. Tudo modelado em realidade virtual, ah, o progresso, lutar para sobreviver, um país, uma cidade, um bairro.

Já guerra que por aí anda, uma guerrilha de baixa intensidade, ninguém bota faladura.

Na Praça da República, soaram as armas, não os canhões do Buçaco,

E eu, esperando revolução e levantamento popular bem me achincalhei. O povo não quer saber do estado policial que nos prende, tão pouco a grei cuida da segurança que permite que um homem seja baleado no centro da quinta maior cidade portuguesa.

Se a paz for utopia, não devemos recear as tensões da vida moderna, a investigação por telefone e o baleado que não merece processo.

E nisto volto às vendas, extenuado de tanta escuta e pergunto, como o meu Aquilino.

Que há que comer? “Peixes cá do corgo. Deixe ver… Provámos; era uma deliciosa calda de escabeche, gorda e profunda o sabor ao manjar dos deuses para não ir nada igual à mesa de gulosos. E um palhete dos sítios que passava tilitando nas goelas e sabia a amoras e framboesas”.

Eis o segredo, o tilintat de dez mil portugueses, escutados até à exaustão.

Mais-valia que tivesse ficado calada, entretida com pães e bolos. Que é assim que se enganam os tolos.

Ser escutado durante quatro anos são anedotas que ouvimos na taberna, nas que sobram, pedaços de alma que sobressaltam o delicado equilíbrio entre a busca pelo que realmente nos faz sentir vivos e as exigências de um país decente.

Onde o único preocupado será o ouvinte, perdido numa encruzilhada, sem tomar decisão do próximo passo e, acanhado, deixa andar.

E não é assim que temos vivido?

OPINIÃO I AMADEU ARAÚJO – JORNALISTAS

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