Opinião
Confortável no Conforto
Repudio veementemente a recente reputação do conceito de ‘conforto’. Atualmente, haverá poucos substantivos que sejam alvo de uma propaganda tão vil quanto a que repetidamente é perpetrada contra o pobre do ‘conforto’, condição tão ambicionada no passado e tão desprezada no presente.
“Tens de sair da tua zona de conforto!”; “Procura fugir do que é confortável!”; ou mesmo “Abraça o desconforto!” são alguns dos conselhos que corporizam a filosofia da moda, papagueada pelos novos filósofos, os filósofos da pós modernidade, gente de fala larga e vista estreita, para quem, paradoxalmente, a perseguição do sucesso – seja ele decretado pela quantidade de dinheiro acumulado, de fama granjeada ou de conquistas sexuais – é bússola condutora das suas inspiradoras vidas.
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Por norma, essas vidas apresentam-se por via dos ecrãs, em formato de rede social, contadas pelos incontáveis testemunhos motivacionais, todos eles legendados e enfeitados com uma melodia capaz de eriçar os pêlos dos braços, roubada de recordistas de bilheteira como o Titanic ou o Gladiador.
Ali, com as luzes apontadas ao rosto, os gurus do sucesso, quais profetas ungidos pelo sagrado divino, dedicados à missão de espalhar a sua própria Palavra, disseminam receitas universais que ditam o que devemos comer, fazer, vestir ou até pensar… sempre “fora da nossa zona de conforto”.
São já muitos e tendem a multiplicar-se, reproduzindo a homogeneidade de pensamento repetida pelo séquito digital: o conforto é mau e o desconforto é espetacular, um verdadeiro caminho para o paraíso do sucesso.
Conforto? Blhec!!
Desconforto? Uau!!
A filosofia é de fácil compreensão, acolhida por crianças, jovens e adultos pouco letrados, e aumenta, de ano para ano, o alcance das suas ramificações, ainda que não se arrisque a medidas mais complexas do que o velho slogan anglo-saxónico “No pain, no gain!” – em bom português, “Sem sofrimento, não há proveitos!”.
Na fase subsequente, já interiorizado o virtuosismo do desconforto, o guru/influencer/filósofo/profeta – qualquer que seja o papel assumido na praga messiânica que vende palavras açucaradas enquanto promete a cura para a diabetes – difunde, junto dos apóstolos, a solução milagrosa… porque, afinal, o “desconforto” que havia recomendado não serve: “Estás o quê… desconfortável!?
Isso é só um mindset… Tens de arranjar ferramentas para gerir essa raiva e frustração. Esquece que estás aí, nesse lugar que te parece desconfortável! Tenta, antes, imaginar-te num bom spot, assim, tipo, numa praia paradísica, tranquila, pacifica e… confortável”.
“Então, damos aquelas voltas todas para, estando num sítio desconfortável, nos sentirmos no mais confortável dos lugares!? Para que serve a busca do desconforto, no fim de contas?” – pergunto-me eu, confuso, mas amplamente relaxado, refastelado, confortável no epicentro do conforto que tanto prezo.
Atenção: não que eu não encontre méritos na promoção do esforço, do sacrifício, do trabalho e do compromisso. Acredito até que o espírito de perseguição é indissociável da condição humana, e que, mais do que perseguir a felicidade, o foco deve centrar-se em descobrir a felicidade na perseguição. Até aqui tudo bem…
Contudo, perante o descrédito a que o substantivo tem sido sujeito, sinto-me na obrigação de sair em defesa do mal-amado “conforto”.
Reflitamos com algum discernimento e honestidade e chegaremos à conclusão de que o conforto não é só bom, é ótimo, melhor do que ótimo… o conforto consegue, de facto, ser verdadeiramente confortável, uma das melhores sensações que o ser humano pode experimentar. Já o desconforto, por outro lado, é, na maioria das vezes, bastante desconfortável, um sentimento que só toleramos porque, no nosso horizonte, encontra-se algures a perspetiva do bem-bom.
Por isso, recomenda-nos a razão e o bom senso que desfrutemos da comodidade do conforto… pelo menos, enquanto não chega alguma coisa desconfortável que venha perturbar esta divina regalia.
OPINIÃO I BERNARDO NETO PARRA
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