Opinião

Uma cidade que não gosta (mesmo) dos cidadãos

Notícias de Coimbra | 6 meses atrás em 27-07-2024

Recupero o título de uma das minhas primeiras crónicas, não porque as ideias nela expressas sejam tão brilhantes que mereçam repetição, mas porque aquilo que tem vindo a repetir-se é o que então tentei descrever: a barafunda em que se transformou, há largos meses, circular em Coimbra – muito para lá do que seria razoável, mesmo à escala que se pode admitir como inevitável quando em causa está algo como a implementação do Sistema de Mobilidade do Mondego – e o indisfarçável enfado das autoridades locais em relação os protestos de quem aqui tem de viver ou trabalhar.

O parágrafo final desse texto rezava assim:

«A razão por que sucessivas vagas de especialistas e responsáveis nos vêm apresentando sucessivas vagas de inevitabilidades é porque, na verdade, Coimbra é uma cidade que não gosta dos seus cidadãos. Que não gosta, sequer, dos cidadãos que a visitam, que dela usufruem de alguma forma. Que não gosta de quem a faz viver. Existisse essa afeição, essa preocupação, não teríamos explicações, mas antes soluções. Porque é para encontrá-las que existem especialistas».

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(peço desculpa por estar a citar-me a mim próprio, tenho noção do sinal de megalomania que isso encerra e prometo tentar não repetir)

Na passada quarta-feira, recordei-me daquelas palavras. Aliás, pude fazer mais do que isso: foi tanto o tempo parado no trânsito, que pude revisitar o que então escrevi e até alinhavar parte substancial daquilo que agora o leitor está a ler. O contexto da situação é fácil de explicar, mesmo que difícil de perceber… Na semana em que Paris recebeu a Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos, Coimbra foi palco da Cerimónia de Continuação dos Jogos Caóticos, certame cuja única modalidade é tentar completar uma viagem para o trabalho ou de regresso a casa sem esgotar o conteúdo de “O Pequeno Livro dos Grandes Insultos”, de Manuel S. Fonseca (leitura que reputo de essencial, aliás, para suportar outros martírios, como ver noticiários televisivos ou tentar fazer umas batatas fritas verdadeiramente crocantes na air fryer, mas esses são temas para outra altura).

Tudo porque o primeiro dos 38 dias que vai durar o encerramento ao trânsito da Ponta de Santa Clara por conta das obras do MetroBus foi a data escolhida para iniciar também uma intervenção no tabuleiro da Ponte Açude, obrigando a ainda mais condicionamentos de trânsito do que os que tinham sido anunciados – que durem há dias as obras nas imediações da única ponte rodoviária da Cidade que resta, chega a ser quase uma anedota. Mas daquelas que não têm piada nenhuma, como as do Nilton.

Perante este quadro e a confusão que permaneceu no resto da semana, pelo menos não se pode acusar os poderes locais de incoerência na sua postura. Há já muito tempo que, de forma consistente, se pode vislumbrar o seu encolher de ombros. Até eu, que dificilmente serei apanhado a elogiar Rui Moreira – ao contrário de outros, que tão convictamente o tentaram já emular – tenho de aplaudir aquele autarca por não deixar a Metro do Porto comportar-se como dona da Cidade Invicta. Já em Coimbra, tivemos desta vez até uma rábula de péssima qualidade, com a vereadora com o pelouro dos Transportes e Mobilidade a desvalorizar as críticas à Infraestruturas de Portugal por parte do partido que a suporta, reconhecendo que o cenário anárquico não só não surpreendeu a Câmara Municipal, como foi até, de certa forma, por ela planeado.

Ao ler estas declarações, recordei-me de uma estória que o meu pai costumava contar quando eu era criança e, por altura do Natal, viajávamos até à aldeia beirã onde nasceu a minha mãe: que as inúmeras curvas e contracurvas da estrada resultavam de ter sido desenhada por engenheiros franceses que não sabiam responder nada a não ser «Oui» aos trabalhadores portugueses quando estes perguntavam «Por aqui?» Admito que é inverosímil, mas não me é nada difícil imaginar a Metro Mondego e a Infraestruturas de Portugal obterem, da Praça 8 de Maio, consecutivos «Sim». E «Sim. E «Sim».

Porque afinal, numa cidade que não gosta mesmo dos seus cidadãos, outra coisa não seria de esperar.

OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO

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