Opinião

Adicto hiperbólico 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 3 meses atrás em 21-07-2024

Um vício não se abandona, troca-se por outro” – ouvi este veredicto em 2007, em  tom de aviso partilhado pela voz de Joaquim de Almeida, que então interpretava a  personagem Mouros. Realizado pelo cineasta português António-Pedro  Vasconcelos, o filme Call Girl apresentava-nos um policial maroto, protagonizado  por Ivo Canelas e Nicolau Breyner, este último na pele de Carlos Meireles, um  autarca burguês e lascivo que não sabia resistir aos sussurros de prostitutas de luxo  com a aparência de Soraia Chaves

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É possível que nem todos se recordem do filme, que, definitivamente, não ficou nos  anais da história do cinema… a narrativa não era irrepreensível, o suspense não era  fantástico e – pior – o trunfo “Soraia Chaves em ação” ficava-se pela promessa  anunciada, mais do que pela concretização dos meus desejos adolescentes.  

Porém, o conselho ficou-me gravado na memória: os vícios substituem-se, mas  continuam a ser o que são, vícios. Mudam, transformam-se e reciclam-se. Ainda  assim, não deixam de ser vícios. 

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Tendo a concordar com a ideia. 

Primeiro, porque, contemplando a fauna humana em meu redor, constato que não  encontro, de facto, uma única pessoa sem resquício de vício. Seja ele – o vício – em  trabalho, desporto, férias, café, açúcar, ou heroína… não importa. Todos têm o seu  pequeno ou grande vício, independentemente da sua categoria ou escala. 

Segundo, porque a ideia de que todas as pessoas têm vícios apazigua a minha culpa  pelos meus próprios vícios. Afinal de contas, é sempre bom saber que não estou  sozinho nisto. 

Finalmente, em terceiro e último lugar, a noção de que é possível substituir um vício  mau por outro vício menos mau consegue ressuscitar o meu otimismo e esperança  na Humanidade. 

Confesso… não se trata apenas da Humanidade… eu próprio tenho vários vícios. 

Em mim, espírito propenso à compulsão, os vícios formam-se rapidamente, sem  respeitar cautelas e moderações sugeridas pela razão de quem conhece as  virtudes do controlo. O que começa por um entusiasmo pueril na exceção  prazerosa, rapidamente se transforma num impulso autofágico que transcende a  minha consciência e vontade. 

Viciado em vícios desde há muito tempo, fui sobrevivendo, procurando encontrar a  receita que equilibrasse a natureza imperfeita das minhas ações. Qual equilibrista  a dançar na corda bamba, consegui, por todos os meios, gerir as tensões entre cada  adição, enquanto o maior de todos os meus vícios perturbava as harmonias que se  iam construindo. 

O maior de todos os meus vícios, adianto, é o vício em hiperbolizar.  

Eu sou dos que hiperboliza… hiperbolizo muito e a toda a hora… hiperbolizo bem e  com força… hiperbolizo como se não houvesse amanhã. Viciado na hipérbole,  hiperbolizo todos os outros vícios, num círculo vicioso que me deixa ainda mais  contaminado por esta psique viciante. 

E o maior problema neste vício de hiperbolizar é que, muitas vezes, quando encaro  os meus outros vícios, não consigo discernir se se trata efetivamente de vícios ou  se são apenas maus hábitos que a minha tendência para a hipérbole acaba por  demonizar. “Serão mesmo vícios ou é o meu ímpeto hiperbólico a falar mais alto?”,  questiono-me, desesperado. 

Talvez “desesperado” seja um termo exagerado, um adjetivo amplificado pela  minha adição mais destrutiva. Aquela que revive vícios e vicia vidas. Hipérbole,  deixa-me lá um bocadinho em paz… não tenho vida para tantos excessos!

OPINIÃO I BERNARDO NETO PARRA

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