Opinião
A sombra da idade
Há dias em que não apetece inventar heróis ou manifestar o lamento diante do espelho. O tempo é essa construção estranha, que conta os dias da nossa vida com o desejo comum de permanência, como se o meu corpo falasse mais de mim do que as minhas palavras. Gostava de adivinhar o futuro e simplificar o próprio comportamento sem criar ilusões sobre o que vão pensar.
Como quem acorda e vai para a vida, percebo o que estou a perder. O som inconfundível da rua, a pressa das pessoas em quererem inventar uma vida gloriosa mistura-me os sentidos. Há em tudo isto uma sinfonia metódica com dúvidas e prazeres, um perfume invulgar, um guarda-chuva à mão e a liberdade escondida nas agendas do itinerário.
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O café quase arrefece, enquanto um cão ladra e os gatos permanecem à janela como se o tempo não passasse. De fato, pode levar muito tempo para se ser alguém simples: ter dias simples, ter um trabalho mais simples e dizer coisas simples – a simplicidade é um estado de espírito. De todas as vantagens da simplicidade, perceber que o luxo e o glamour não são mais importantes do que ter uma vida aconchegante. Preocupamo-nos em não parecer monótonos ou bobos, se nos mostramos sem sofisticação ou de acordo com nossas próprias vontades. Quando se é jovem passamos a maior parte da vida tentando – sem sucesso – ser outra pessoa.
O pensamento da morte, eventualmente, libertar-nos-á das nossas pretensões. Percebemos – sob a sua influência revigorante – que não adianta nos sobrecarregarmos com hábitos, ideias, vocabulários, pessoas e trabalhos que não nos pertencem. Não faz sentido perder tempo com aqueles que não podem dizer, ‘eu te amo’, com roupas que temos sempre que passar, com livros que não conseguimos entender e com dias lotados, trabalhos sem sentido e com muita ansiedade.
Quando chegamos a este estágio, poderemos considerar que já estamos vivendo uma vida autêntica e única, uma vida verdadeiramente “nossa”.
Sei que há uma altura na vida em que nos tornamos mais exigentes e suscetíveis a alergias. Procuro as sombras das árvores com a promessa de descansar dos longos caminhos feitos a 40ºC. Sem julgar aqueles que promovem a bondade e brincam com crianças, eu descanso onde a paz e o silêncio existirem como o oxigénio. A idade é uma árvore cheia tempo.
OPINIÃO I ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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