Opinião
Pelos olhos de Deus
A cada dia que passa sinto que a terra se afasta dos meus pés, e não responsabilizo ninguém por me sentir assim. Todos sabemos que não há uma régua para medir a intensidade da vida de alguém. As descobertas da Ciência contribuíram, em parte, com a passagem dos séculos, para perpetuar a existência de toda uma civilização, com a invenção de vacinas e a cura de muitas doenças. Mas nós, seres racionais, continuamos a cultivar o ceticismo.
Tenho a plena sensação de que há alegrias esporádicas. Por exemplo, ligar o rádio e ouvir repetidamente uma canção que marcou uma época, e onde descubro que, ainda, sou contemporânea do artista.
Sou capaz de dizer que eu tenho medo da finitude, embora, acredite que esse temor, talvez, seja o “maior medo” de todos nós. Nas culturas que veem a morte como elevação do corpo e da alma há uma escapatória que atenua a visita do anjo negro.
Não pensamos na fatalidade, vivemos em função daquilo que é confortável, mas há coisas na vida que não o são. O confronto com a realidade devia acordar as mentes. O ADN diferencia-nos, mas o medo iguala-nos e há uma lista interminável e amedrontadora: o escuro, a morte, a fome, a solidão, o desamor, a ignorância, a crueldade e o esquecimento. Viver encoraja-nos a duvidar das nossas habilidades? Olhar para as coisas e admirá-las como elas são ajuda-nos a viver?
“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro. A real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”, a citação é de um senhor que morreu aos oitenta anos e se chamava Platão (427 a.C.). O facto curioso da vida do filósofo grego é que na sua “Sétima Carta”, Platão observa que a sua idade coincidiu com a tomada do poder pelos Trinta Tiranos, comentando que “um jovem com idade inferior a vinte seria motivo de chacota se tentasse entrar na arena política”. Assim, a data de nascimento de Platão seria 424/423 a.C.. E o seu contrário, também, seria possível?
É pela luz que nos orientamos e pela sabedoria que é, também sinónimo de luz. De uma maneira geral, as gerações precisam da interpelação, não é uma questão de fé ou de crenças. Pelos olhos de Deus somos iguais, inclusive nas diferenças. Um jovem na sua consciência moral, não devia pensar que um velho não tem futuro. A humanidade vive com a experiência dos anciãos, essa memória coletiva ou biblioteca do humanismo.
O medo quando é excessivo paralisa as nossas vidas. A inércia é uma resposta, justifica-se pela ausência de compreensão e, às vezes, da falta de compaixão. Pelos olhos de Deus, somos a perfeição que se constrói todos os dias.
OPINIÃO I ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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