Opinião
Não somos nenhuns animais…
Em vésperas das eleições norte-americanas de 2016 que deram a vitória a Donald Trump sobre Hillary Clinton, um cronista do Financial Times – cuja identidade não consegui memorizar e nem agora recuperar – resumiu a escolha dos eleitores a uma analogia bastante sugestiva, afirmando que, naquele ato eleitoral, os americanos estavam obrigados a optar entre o ataque de um urso furioso ou de uma praga de térmitas.
A comparação ficou-me tatuada na cabeça, sendo que, hoje, oito anos depois, é difícil atualizar a metáfora. Olhando para os atuais protagonistas da política americana, não descortino no reino animal figuras capazes de representar a luta pela grande cadeira da Sala Oval.
O Messias republicano continua o mesmo urso, agora mais velho e anafado, sem a cólera discursiva de antigamente, mas com o mesmo ímpeto marialva de quem se julga o salvador do mundo, capaz de garantir uma nova Era de paz e prosperidade. O delírio é de tal ordem que o homem da popa laranja e lábios enérgicos promete pôr fim a todas as tensões diplomáticas do globo, fazendo-me acreditar que a fantasia de assistir a uma cimeira EUA-Coreia do Norte, protagonizada por Donald Trump e Kim Jong-Um, com moderação do basquetebolista Dennis Rodman e Kanye West no concerto de encerramento, pode estar mais próxima do que nunca.
Apesar dos seus 78 anos, a ferocidade do urso continua intacta, muito capaz de conquistar os eleitores que valorizam mãos firmes e línguas afiadas na Casa Branca.
Já aos eleitores que prefiram candidatos que não negoceiem votos na Geórgia, candidatos que não apliquem fundos de campanha em noites de luxúria com prostitutas voluptuosas, ou candidatos que aceitem derrotas eleitorais e garantam transições pacificas do poder, talvez o Donald continue a não encher as medidas.
Contudo, desta vez, para esta gente, pouco apreciadora dos talentos do republicano, a alternativa já não é Hillary Clinton, a infame líder das térmitas, personificação da praga que ameaçava as fundações da democracia americana. Agora, como em 2020, a opção azul é Joe Biden – “Sleepy Joe” para os inimigos e para os amigos com sentido de humor – o representante da democracia liberal, responsável por combater populismos e derrotar espíritos antidemocráticos.
Paradoxalmente, parece ser o velho Joe quem se encontra em processo de hibernação prolongada. A má forma do candidato democrata é tão, mas tão, confrangedora que, ainda não tinha terminado a sua paupérrima performance no debate frente a Trump, e já o New York Times, Wall Street Journal e Washington Post lhe pediam que abandonasse a corrida.
De imediato, também, os seus putativos substitutos, desde um rol de governadores com relativa popularidade até à pop star Michelle Obama, anunciaram a sua indisponibilidade e reiteraram o apoio a Biden.
Ainda por confirmar a possibilidade de o atual presidente norte-americano sair pelo seu próprio pé – condição essencial para que esta substituição de última hora se efetive – restou apenas a vice-presidente Kamala Harris como eventual sucessora do (cada vez mais sleepy) Joe, que tem suscitado forte reação da opinião pública, que notoriamente não aprecia a advogada californiana: “Quem garante que o aparelho intelectual de Joe Biden aos 81 anos esteja mais deteriorado do que o de Kamala Harris aos 59 anos?” E, por isso, é possível que a sua condição de mulher negra não baste para assegurar a sucessão do atual presidente americano.
A verdade é que o Joe, embora sonolento, diz que só desiste da corrida se o Senhor Todo-Poderoso descer à Terra – o que será improvável, já que, mesmo descendo à Terra, Deus, Nosso Senhor, em princípio, privilegiará as gentes que mais precisam do seu socorro, e, por isso, antes de chegar à Terra do Tio Sam, há de passar em África, na Ucrânia, ou no Médio Oriente.
Para já, a coruja sonolenta apenas reconheceu que precisa de mais descanso. Junto dos seus correligionários do Partido Democrático, Biden prometeu trabalhar menos à noite e, ainda, reduzir os eventos de campanha a partir das 20h — xixi, cama!
Pode ser que resulte… E, se assim for, vencidas as eleições, de volta à Casa Branca, rezemos todos para que o velho Joe possa manter esta rotina reparadora: deitar cedinho, desligar o candeeiro e o telemóvel, para chegar à fase REM do sono.
Oxalá tenha bons sonhos e que Putin não tenha o descaramento e a falta de sensibilidade de atacar o mundo durante o ó-ó do Senhor Presidente. Caso o líder russo não revele essa educação, terá de ser Kamala a pôr-lhe os pontos nos is: “Vladimir, por favor, misseis só a partir do meio-dia… e, se possível, sem grande estardalhaço. Olha que o nosso Joe tem uma audição sensível e lida mal com as poeiras. Tem compaixão. Vá lá, podemos guerrear, mas não somos nenhuns animais”.
OPINIÃO I BERNARDO NETO PARA
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