Opinião
Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro
Luís de Camões é, provavelmente, um nome defensável para um aeroporto, uma ponte ou uma rua. Afinal, a esmagadora maioria dos portugueses admira o poeta e a sua obra, mesmo aqueles que nunca leram sequer uma palavra do que escreveu. Mas a decisão de assim nomear o novo aeroporto internacional da região de Lisboa parece-me uma oportunidade perdida para um gesto simbólico de importância verdadeira e alcance disruptivo. Do meu ponto de vista, Portugal precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país onde, no Porto, grupos organizados planeiam e executam ataques violentos contra imigrantes, em episódios que são depois tratados não como um caso de criminalidade inaceitável, mas como uma consequência do facto de haver quem necessite de ser imigrante, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
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O país onde, também no Porto, uma exposição sobre a Ucrânia é alvo de vandalismo e palco igualmente de agressões e de insultos xenófobos, sem que isso provoque mais do que um desinteressado encolher de ombros perante o caráter de normalidade que estas situações cada vez mais configuram, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país onde, em Lisboa, uma criança nepalesa de apenas 9 anos é alvo de um linchamento por parte dos colegas na sua escola, em que o mesmo é filmado e partilhado nas redes sociais e a única ação do estabelecimento de ensino(?) é suspender por três dias um dos agressores, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país em cujo parlamento um deputado pode mandar uma congénere para «a sua terra» ou classificar todo um povo como preguiçoso, acabando ainda a ser defendido pela segunda figura do Estado por estar simplesmente a exercer a sua liberdade de expressão, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país onde um neonazi condenado várias vezes por crimes relacionados com ódio racial é convidado de um programa televisivo para partilhar as suas «opiniões polémicas», e que se transformou ele próprio numa figura mediática por nenhum outro mérito do que ser um criminoso, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país onde as caixas de comentários dos órgãos de comunicação social e as redes sociais são palcos de crimes de ódio e de incitamento à violência contra cidadãos estrangeiros, 24 horas sobre 24 horas, de forma impune e cada vez mais intensa, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
O país onde, fim de semana após fim de semana, nas mais diversas modalidades e em variados escalões etários, se confunde picardia ou rivalidade clubística com o insulto a propósito da cor da pele do adversário, é um país que precisa de um Aeroporto Internacional Alcindo Monteiro.
Brutalmente assassinado pela insanidade racista, em 1995, Alcindo Monteiro podia assim tornar-se, ainda mais, um símbolo de uma luta necessária e urgente contra ela. Uma decisão com poucas consequências práticas, é certo, mas que seria um gesto significativo e demonstrativo de que o país está preparado para olhar de frente as suas falhas.
Portugal, com a sua história complexa e multicultural, deve perceber que ser responsável perante o seu passado é reconhecidamente mais difícil do que bater simplesmente com a mão no peito enquanto ele é invocado – e isso é algo de que qualquer símio é capaz – mas é também obrigatório. Qualquer apelo à ação, qualquer grito por justiça, qualquer convite para que nos olhemos no espelho precisa ser encarado como bem-vindo, porque os direitos humanos não são negociáveis.
Teremos coragem, enquanto povo, para tal manifesto contra a complacência?
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇAO
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