Opinião
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril?
No mundo editorial português, anda um insuportável cheiro a mofo no ar. Depois do livro que nos explica que a mulher está bem é em casa (e, adivinha-se, caladinha porque o marido quer ver a bola), já quase nem demos importância ao lançamento da obra que junta meia centena de fach… críticos do 25 de Abril, que se queixam de coisas como a insuportável ditadura em que vivemos agora e em que, ao lançarem tal epopeia ferozmente crítica do sistema vigente, sofrem consequências tão graves como não lhes acontecer absolutamente nada de mal.
Mas esse livro existe e foi editado e não adianta desconsiderá-lo só porque o primeiro dos textos que reúne foi escrito por um youtuber: ele tem um significado e, surgindo a poucos dias de celebrarmos os 50 anos do 25 de Abril, representa uma bomba (não apenas porque outro dos fach… cidadãos a que dá voz pertenceu a um movimento bombista). Mais concretamente, representa uma bomba de mau cheiro.
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Voltamos à questão do odor, com que este texto arrancou, porque, de facto, tudo isto cheira muito mal. Meio século depois do 25 de Abril, Portugal cheira mal. Cheira mal à nostalgia da ditadura, cheira mal à hipocrisia de quem critica a liberdade nascida naquele dia mas se aproveita dela. É verdadeiramente nauseante este cinismo, mas não tanto quanto a ignorância de quem não consegue ver que o seu próprio direito de criticar é a prova irrefutável do triunfo da Revolução.
A democracia é o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros – aprendi a cantá-lo com Sérgio Godinho, antes ainda de saber que a frase é atribuída frequentemente a Winston Churchill – e essa é uma verdade que não podemos permitir que seja esquecida. As suas insuficiências, as suas falhas e as suas limitações estarão sempre muito mais próximas de serem ultrapassadas do que as disfunções e injustiças de qualquer ditadura (há quem gostasse de apagar estes factos, mas, desde 1974, o índice de pobreza caiu mais de 30 pontos percentuais, a taxa de alfabetização subiu na mesma medida e a mortalidade infantil decresceu mais de 90%, por exemplo) porque fazê-lo depende simplesmente de cada um de nós e, sobretudo, da comunidade que podemos ser.
Estão, por isso, profundamente errados os 50 fach… autores do livro “Abril pelas direitas”, porque a única fragilidade do 25 de Abril reside na sua própria força: a liberdade que concedeu a Portugal e aos portugueses, mesmo aos que são capazes de defender coisas aberrantes – sejam eles 50, cerca de um milhão ou quase cinco milhões, como parece sugerir um estudo recente, segundo o qual 47% apoiaria um líder forte sem eleições.
Estejamos, portanto, alertas para esses Cavalos de Troia (voltando a Sérgio Godinho, serão mais minhocas, ora de botas cardadas, ora com pezinhos de lã), porque as conquistas iniciadas em 1974 não foram um presente caído do céu. Foram o resultado da luta, do sacrifício e da coragem de milhares de portugueses que arriscaram tudo. E se a liberdade aí nascida não é propriedade de um grupo ou de uma ideologia, é porque pertence a todos nós e nos obriga a defendê-la com unhas e dentes.
25 de Abril sempre!
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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