Opinião
Detalhe sobre a arte de ludibriar
O “Detalhe” era grosso livro, onde cantineiro e sargento dos abastecimentos apontavam os boletos que os grumetes sacavam: tabaco, calças, whiskies…a crédito. Noutra ocasião pagaríamos. Importante era que os fundos dos porões do Cunene nos fornecessem o essencial a uma vida militar de embarcadiço, preocupados com o tamanho da sardinha e em encontrar um barco onde os pescadores tivessem um peixe-galo para o guarda-marinha fatiar e a guarnição refastelar.
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Era naqueles dias de manhãs escuras, mandava aquele homem que tinha a mania que sabia tudo, raramente se enganava, nunca lia jornais e, teimosamente naquele ano, não mudou a hora de Verão.
E os marujos acordavam, com o barulho das máquinas da Somague a acrescentar pontões no Alfeite. E, num dia inquieto, o Polar estava encalhado. O iate de treino tinha ao leme um sujeito de Boliqueime, bom professor nas artes da pesca quando arrojou fundos.
Ora o livro de fiados veio-me à lembrança quando ouvi outro senhor, nesta semana, recusar comentar o que dizem os malandros dos jornais.
Cito-o: “Eu já disse noutra ocasião que não fazia comentários sobre um governo que está apenas há seis dias, desde o passado sábado, em plenitude de funções”. E, de rajada, ainda com a apostila do Moedas no braço, enfim, desabafou. E, que disse? “Deixem-no governar. Depois analisem e julguem, vejam aquilo que ele fez em comparação com as promessas feitas na campanha eleitoral”.
Ora acabei com uma lágrima no canto do olho, a ter saudades e mortificado de nostalgia.
O melhor presidente da república, antes de Marcelo – claro, quer que a malta trabalhe. O vogar da coerência, os alíseos e o suão dão nisto. Dislate.
Nestes dias em que, finalmente, a república é de procuração, temos um problema grave. Gravíssimo. E ninguém escutou o senhor da apostilha.
Uma malta, escondida no sótão, reuniu em plenário, organizou diligentemente um volume com notícias de jornais e acusou. E uma senhora acrescentou. Foi o Carmo e Trindade, e assim vamos de tribulações.
“Meras conjeturas, especulações”, escutas telefónicas. O mais espantoso, é que ninguém tira consequências da coisa.
A República, finalmente de contas calibradas, é agora uma sociedade de responsabilidade ilimitada e preparada para novos negócios. Bom agora só levam os dedos e esses, de esquálidos, nem dão para chupar.
Motivo para todos marcharem à Percelada, a oficina fechou, mas ficou o livro “Tábua, A Construção de Um Concelho”. O historiador Fernando Pais que me desculpe o abuso, mas precisamos de outro fólio. Que analise “a construção de um conselho”. Para não prescindir do escrutínio e, para que depois do mal, não nos façam ainda a caramunha.
Em semana de Abrilada, temos um problema com a golpada. Um golpe baixo, não de Estado. Uma pena, que nos faltem cojones para tanto. E assim assobiamos, não lobrigamos, só consequências. A democracia, que reclama explicações a quem paga soldo e mordomias, tem destes luxos. A caramunha, que é preciso continuar a investigar. Cheira a fumo, há fogo. E não há prazo para a extinção. E a República não paga comissão de crimes.
Mas aceita conjuras e conjeturas. E isto, com um cavaco, de azinheira claro, ou um gadanho, ia lá. Mas teimamos no martelo e tíbios, lá ouvimos “intromissão abusiva nos processos de decisão pública” e mais nada.
Ainda bem que Abril nos deixou independência na justiça. Nos juízes e nos Tribunais. Mas custa cotejar o atrevimento. E não ouvir o filho de gasolineiro.
Tu que procuras, não leias jornais! Detalha.
OPINIÃO | AMADEU ARAÚJO – JORNALISTA
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