Opinião
Conceito Estratégico de Futuro
TORRES FARINHA
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A vida democrática de um país tem como grande riqueza a dinâmica intelectual que se gera fruto da multiplicidade de opiniões de todos quantos nela participam. Nesta perspectiva, a definição do futuro de um país é uma das vertentes que está sempre em discussão e, em particular em períodos frágeis como o que hoje vivemos.
Um dos aspectos que mais perpassam a discussão do dia-a-dia dos cidadãos é o dos ciclos políticos e das perspectivas de futuro que cada um destes pode proporcionar às pessoas e ao País. A (sobre)vivência democrática parece centrar-se em torno do presente e de um futuro que corresponde apenas a mais um ciclo eleitoral de quatro anos, e assim sucessivamente – é o que se designa por “navegação à vista”.
No entanto, assistimos à evolução sustentada de outros povos, de outros países, de outras civilizações, que assumem uma visão supra imediatista e se vão afirmando no panorama internacional, acrescentando a cada ano que passa qualidade de vida às suas populações.
É neste enquadramento que se impõe reflectir sobre o Conceito Estratégico Nacional (CEN) que, por mais controverso que possa ser para muitos, importa equacionar enquanto visão de País e de atitude na comunidade internacional.
Neste âmbito, cumpre desde já destacar o recentemente aprovado Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), que define os aspectos fundamentais da estratégia global a adotar pelo Estado para a consecução dos objectivos da política de Segurança e Defesa Nacional. Este é um conceito que tem demonstrado a sua pertinência e robustez através da sua já longa história – de facto, a primeira versão do CEDN data de 1985, tendo sido sujeito a três actualizações (1994, 2003 e 2013).
Por mais questionável que seja para muitos o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, este assume-se como um marco, quer de postura democrática quer de afirmação de uma vertente estratégica nacional que se soube afirmar perante a comunidade internacional.
Todos os Governos têm respeitado o CEDN independentemente das suas orientações políticas. Porém, no que concerne à Constituição, o Tribunal Constitucional tem vindo frequentemente a ser chamado a pronunciar-se.
O CEDN, quando analisado em toda a sua extensão, assume uma amplitude correspondente a uma visão transversal do País que interessa destacar, o qual está estruturado a partir dos seguintes aspectos: o primeiro respeita ao exercício da soberania e da neutralização das ameaças e riscos à segurança nacional, destacando aspectos concernentes à defesa da posição internacional de Portugal, da consolidação das relações externas de defesa, da valorização das informações estratégicas e da adequação das políticas de segurança e defesa nacional ao ambiente estratégico; o segundo visa responder às vulnerabilidades nacionais, designadamente através da promoção do equilíbrio financeiro e do crescimento económico, de assegurar a autonomia energética e alimentar, de incentivar a renovação demográfica e gerir o envelhecimento da população, de melhorar a eficácia do sistema de justiça, da qualificação do ordenamento do território, do envolvimento da sociedade nos assuntos da segurança e defesa nacional; finalmente, o terceiro respeita à valorização dos recursos e às oportunidades nacionais, através do investimento nos recursos marítimos, na valorização do conhecimento, da tecnologia e da inovação, do desenvolvimento do potencial de recursos humanos, e da valorização da língua e da cultura portuguesas.
A partir da síntese dos conteúdos deste Conceito poderia inferir-se que se está perante um Conceito mais alargado de Estratégia Nacional. Porém, representa apenas uma abordagem sectorial – Estratégica de Defesa Nacional. No entanto, este conceito teve que fazer um percurso difícil e com muitos escolhos até à sua aprovação formal, designadamente na sua última versão, pelo que o Conceito Estratégico Nacional, só por si, deverá dar origem a uma muito maior discussão política.
Partindo de controvérsias académicas, tais como a referida por Samuel Pires na sua tese, que cita Jorge Silva Paulo, Capitão-de-mar-e-guerra, na qual questiona se tem que existir, no presente, um CEN, este autor refere que o Professor Adriano Moreira afirma que a substância de um CEN são as políticas duradouras, que sobrevivem a mudanças de governo. Relata ainda que sempre parece ter existido uma significativa contestação ao mesmo, reportando-se ao “Velho do Restelo” ou às divisões em 1383, 1580, 1640 e ao Liberalismo. Porém, como a narrativa patriótica é feita pelos vencedores ninguém pode afirmar convictamente que apoio é que o CEN mereceu do povo.
Ainda no âmbito da referência precedente, diz-se que “um Conceito Estratégico Nacional e os seus derivados ou são ignorados, ou tornam-se normas rígidas e contestadas, que só se mantêm pela coação, ou são vagos e estão plasmados na Constituição e na identidade nacional, para poderem acomodar as várias visões sobre a matéria, e dispensam mais formalismos”. Este parágrafo indexa a discussão para a Constituição que, por consequência, levanta o problema sobre os pontos de interscecção entre um eventual CEN e este documento estruturante do País.
Neste ponto, e apenas no âmbito do que um artigo desta natureza permite, importa questionar se, de facto, o Conceito Estratégico Nacional é uma norma rígida ou antes um documento que apresenta uma visão nacional, com a virtualidade de transmitir uma visão abrangente de futuro, quer de âmbito nacional quer de posicionamento internacional?
Impõe-se aprofundar esta discussão e avaliar qual dos caminhos conduz a um futuro potencialmente mais promissor, isto é, se através da “navegação à vista” ou se através de uma visão estratégica, proporcionada por um CEN que vá mais além do que os ciclos políticos dos Governos e dos partidos. Isto é, se interessa ir por um caminho onde o futuro não seja feito apenas de alguns meses de promessas eleitorais para as eleições seguintes, que habitualmente são para não cumprir e, por isso mesmo, onde os cidadãos, logo depois das eleições, ao perceberem que foram enganados anseiam por um novo ciclo político onde certamente tudo se repetirá – ou se deve ir por uma visão de futuro, suportada num Conceito Estratégico Nacional, que garanta aos cidadãos que os Governos irão seguir um rumo previamente definido para o amanhã da Nação previamente escolhido pelos cidadãos? Vale a pena pensar nisso.
TORRES FARINHA
Investigador
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