Opinião
Vade-retro, Bimby!
O latim funciona. Funciona mesmo, caro leitor. Acredite, se quiser distinguir-se numa discussão, a receita é simples: basta introduzir uma expressão em latim no meio da conversa para que o seu interlocutor se sinta imediatamente intimidado. Status quo, alma mater, ad aeternum, quid pro quo, mea culpa, ou a priori são algumas das expressões latinas que dão o alerta: “Porra, é melhor não me meter com este gajo. Se ele consegue enquadrar o latim numa discussão, é capaz de saber do que está falar…”.
A mera sugestão de que está para vir um “ad” faz-nos logo sentir o peso da ancestralidade. Chegada a palavra latina, ficamos contidos, amedrontados por uma tonelada de antiguidade linguística e, simultaneamente, elucidados sobre a utilidade do latim na disputa antropológica que a linguagem e a comunicação permitem.
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Contudo, os jovens do futuro preferem não recorrer ao passado para reforçar os seus argumentos no presente. Em alternativa, guardam o latim (e o próprio diálogo) na gaveta e dão uso às latas de tinta para colorir os políticos, na expetativa de que estes atos de rebeldia alertem os governantes que, segundo eles, se estão nas tintas para a crise ambiental.
E, assim, nos últimos tempos, os pintores do grupo Climáximo resolveram atuar. Primeiro, tingiram o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. Depois, o ministro das Finanças, Fernando Medina. E, agora, o alvo foi o líder da oposição e candidato a Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, que ontem foi vítima de um misto de protesto pela Ação Climática e de homenagem póstuma à madeixa da sportinguista Maria José Valério.
Mais uma vez, os ativistas radicalizaram-se na tentativa de criar consenso público acerca da urgência da causa climática. E os portugueses foram consensuais, sobretudo no juízo de que estes miúdos não têm juízo nenhum. Prontamente, a opinião pública e os próprios concorrentes dos políticos visados criticaram o método do protesto, qualificando-o como “contraproducente”, “infantil” ou “anti-democrático”.
Já eu, vou mais longe na desaprovação à atitude dos jovens rebeldes. Para além de condenar a forma da manifestação, devo admitir que tenho muitas dúvidas sobre a origem da própria causa: a crise climática.
Calma, ambientalistas irados, deixem-me explicar…
Para dizer a verdade, eu acredito no aquecimento global e valorizo todas as questões que justificam a emergência ambiental, desde a desflorestação da Amazónia, ao degelo na Antártida ou à acumulação de plásticos no Pacífico. Todas elas são preocupações
legítimas e acompanhadas por mim, que, confesso, não aguento mais as subidas de temperaturas provocadas pelas alterações climáticas — calor em Março mete-me nojo. Não compreendo, não aceito, não gosto.
Porém, ad contrarium, estou firmemente convencido de que, antes do planeta nos expulsar da sua superfície, nós, Humanidade, seremos exterminados pela inteligência artificial. Isso mesmo, a inteligência artificial.
Francamente, a palavra “inteligência” já me assustava o suficiente e acrescentar-lhe o qualificativo “artificial” não ajudou nada. A mim, aliás, esta dupla causa sempre pânico. Serei o único a ter visto o I, Robot, protagonizado pelo infame Will Smith? Ou o A.I., do Spielberg? Ou o Ex-Machina? Ou até o Planeta dos Macacos, a saga que nos mostra que desafiar o darwinismo não é boa ideia? Se um símio é capaz de igualar as façanhas do Homem, imagine-se o potencial das máquinas. Ainda o macaco está a aprender a tabuada, e já a calculadora fez delete às contas de multiplicação.
Por isso, o meu pânico tecnológico encara a minha ansiedade ambiental e conclui: “Não vale a pena preocupar-me contigo”. E não vale, de facto. É provável que nem sequer tenhamos tempo para isso. Seria como estar dentro de um avião em queda livre e continuar a rezar para que o cancro não nos matasse, ignorando que o cancro não existe em aeronaves desgovernadas, onde a perspetiva de choque iminente com o Oceano Atlântico apaga o medo de que as metástases tenham resistido à quimioterapia.
Acreditando que não será a crise climática e nem as metástases temidas pelos oncologistas que darão cabo disto tudo, eu ponho as minhas fichas na Bimby… Temo que, muito antes do planeta nos obrigar a fazer checkout, seja esta estúpida maquineta a tratar-nos da saúde. Estou convencido que será ela – o nosso derradeiro carrasco – a humilhar-nos, insultar-nos, cuspir-nos, espancar-nos, violar-nos, matar-nos, e, por fim, a servir-nos em forma de um delicioso puré aos seus cúmplices robóticos.
Para não sucumbirmos aos malefícios do pessimismo, resta-nos o consolo de saber que até os robots hão de odiar o calor de Março. Isso é que vai ser suar, suas máquinas idiotas!
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
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