Opinião
Não havia necessidade, Abrunhosas
Não está a ser uma semana fácil para os Abrunhosas. Ou, pelo menos, para os Abrunhosas que se ofendem sem necessidade. Primeiro, foi Pedro, o músico, que, ainda corria o fim de-semana, abriu as hostilidades e mostrou a sua ofensa.
Surpreendido pelo slogan da campanha do Bloco de Esquerda – “FAZER O QUE NUNCA FOI FEITO” -, Pedro Abrunhosa recorreu à Sociedade Portuguesa de Autores para exigir que aquele Partido retire a dita expressão de qualquer produto panfletário. “Não será preciso ser um génio para associar de imediato o dito à minha canção”, afirmou o artista portuense, garantindo, ainda, que não vota no Bloco de Esquerda.
PUBLICIDADE
Há quem acuse o músico de se julgar dono da língua portuguesa… quem critique a falta de originalidade dos criativos do BLOCO… e, ainda, quem defenda que quem mais ganharia com uma adaptação da discografia do Abrunhosa seria o CHEGA com o tema “Talvez foder” (o sistema, claro!). E, por favor, não se ofendam agora os leitores com esta linguagem. Até porque, nesta semana, a ofensa está por conta dos Abrunhosas.
Por enquanto, o Bloco de Esquerda optou por não reagir e, assim, não revelando se vai alterar a frase de campanha, o debate entre autores e marketeers continua sem fim à vista. Independentemente do desfecho, a semana do Pedro terá ficado estragada, graças à sua capacidade para se ofender sem necessidade.
Quem também se ofendeu, sem necessidade, foi outra Abrunhosa; no caso, Ana, a ainda ministra, atual cabeça-de-lista do Partido Socialista para o distrito de Coimbra (e, já agora, putativa candidata socialista à Câmara Municipal), que, na passada segunda-feira, abandonou um debate com os cabeças de lista dos restantes partidos, em protesto contra a “xenofobia e racismo” manifestados pelo candidato do CHEGA.
Segundo a comunicação social presente no auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, espaço que acolheu o confronto de ideias – inclusivamente, ideias estúpidas -, o candidato do CHEGA, António Pinto Pereira, referiu-se às mulheres como uma das “camadas mais frágeis” da sociedade portuguesa. Ana não terá gostado…
Ofendeu-se. Levantou-se. Qualificou o oponente como “racista e xenófobo” e foi para casa, confirmando a acusação de fragilidade, que — desconfio — será uma característica pessoal, mais do que do género feminino.
Admitindo que a expressão “as mulheres representam uma camada frágil da sociedade” não levante grande celeuma — que atire a primeira pedra a organização feminista que nunca tenha apontado tal ideia —, presumo que “o racismo e a xenofobia” tivessem sido os verdadeiros causadores da dita ofensa. Contudo, questionada sobre o teor das expressões que motivaram a sua saída da sala, Ana Abrunhosa não esclareceu: “Não conte comigo para dar esse contributo, porque a comunicação social já o tem feito muito bem. Se estivesse a repetir o que foi dito, estaria a dar palco”.
Assim, a ainda ministra preferiu manter o mistério sobre as causas da sua ofensa. Informou apenas que se ofendera e saiu. As causas de tal ofensa, as ideias imbecis, insensíveis, ou até desumanas, ficaram no anonimato, à mercê da imaginação de cada eleitor.
A reação desta Abrunhosa foi, no entanto, elogiada por Adriana Cardoso, a jovem moderadora do debate que, posteriormente, nas suas redes sociais, alertou que “A extrema-direita é isto. Suja, enlameia e rouba o debate civilizado de ideias para debitar a sua cassete vil para cima de dezenas de alunos do ensino superior”. Confiando que o ensino superior seja palco privilegiado para contrariar as cassetes vis e discutir as imbecilidades dos extremos – venham eles da direita ou da esquerda – e que os aparelhos críticos dos nossos estudantes consigam lidar com a malvadez das doutrinas radicais, confesso a minha estranheza pela reação daquelas duas protagonistas, tanto da Ana como da própria Adriana.
Se os debates servem para confrontar ideias, não valerão para rebater ideias estúpidas ou, mais ainda, para rebater ideias muito estúpidas? E para o fazer, para refutar mentiras, para expor incongruências, ou até obscenidades, não será preciso estar presente na sala? E, de preferência, falar? E, se possível, falar bem? E, no melhor dos mundos, falar melhor do que o energúmeno que desprezamos? Não vislumbro melhor forma de vergar o populismo e a ignorância dos “infrequentáveis” à eloquência e inteligência de quem oferece mais do que o ódio e o protesto.
Chamem-me radical, normalizador do discurso radical, ou até perigoso fascista, mas, na minha humilde opinião, ainda que o candidato do CHEGA estivesse sentado a defender que o lugar das mulheres é na cozinha, nem assim se justificaria o abandono de Ana Abrunhosa. A não ser que a candidata a deputada estivesse cheia de pressa para ir para casa preparar o jantar ao marido, não encontro qualquer razão para a sua fuga irada e ofendida.
Desta forma, temo que a democracia fique reduzida a ofensas fáceis, argumentos mudos e provedores da moral inspirados no saudoso Diácono Remédios. E não havia necessidade, Abrunhosas.
P.S.: Agora, com o Pedro, a Ana e até a Adriana bem mais calmos, por favor, alguém confirme se a pequena aldeia de Abrunhosa sobreviveu à semana negra dos seus homónimos. Suspeito que mesmo por lá, para os lados do Sátão, possa andar mais alguém ofendido sem necessidade nenhuma.
OPINIÃO | BERNARDO NETO PARRA
Escreve à quinta-feira no NDC
Related Images:
PUBLICIDADE