Opinião
Bandalheira? Piolheira, piolheira!
Passei um inverno a destilar, sentado numa poltrona, num barracão de 3 paredes, éramos nós, o alambique e a fruta. Aguardente que escorria ao pingo, bagaço das grainhas e, ousados, de pera, maçã, a fruta que houvesse para descascar. Quando o fígado sinalizava, lá ia um de nós à gasolineira comprar pão e latas de atum e toca a emborcar.
Um mata-bicho terapêutico, feito a fogo lento, de olho no termómetro e lenha. Lá se iam soltando os vapores e no tubo, o precioso líquido, afinado copo a copo.
Ora isto foi por alturas daquele negócio da estação, ali na Fernão Magalhães e muito antes de privatizarem e encerrarem estações de Correios.
Hoje manda-se uma carta registada e demora dias para ir e semanas para vir o aviso, registado e assinado. A destilação deu nisto. Em mais de 200 países, somos dos 4 que privatizaram a mala-posta. Ainda para mais a bons gestores, que, encandecidos, chegavam-se ao banco a pedir empréstimos para pagar dividendos. Ora isto é uma bandarilheira, de cernelha, não a bandalheira que nos pregam, vista do terraço, olho no Atlântico e pé no casino.
Acolitado pelo regedor, vamos ouvindo este léxico de envergonhar ateus, cadeiras preenchidas e lugar a quem fala mais alto e ideias, um deserto.
Muito barulho, um enorme palanfrório e eu a pensar na barraquinha, ali na rotunda, a prometer limpar Portugal. Bem precisamos, a cloaca transborda, o lixo acumula-se nas valetas, nas matas é bom não entrar e os resíduos saltam dos contentores.
E nisto a venda, que na minha Beira também é tasca e taberna, de 2003 me saltou à memória. Estavam lá todos, obsequiados com dinheiro do Estado, os do BES e os do BPN, mais os da Fincor. Convenhamos, muita aguardente para comprar prédio por 14,8 milhões de euros e vender, no próprio dia, por 20
milhões.
E a bandalheira são os serviços que garantem soberania ao Estado. Como te percebo, essa falta de lisura e de leitura, esse apego ao “Primo Basílio” e a necessidade de termos um Conselheiro Acácio. Um diretor-geral desta monarquia, não um desses que dê explicações, antes um que aparece com volumoso cartapácio e que dele nada diz.
E, de caminho, já que estamos na bandalheira, que nos expliquem como se recuperam investimentos em dez anos e depois se vive de rendas durante meio século que, a contrário do Rui, o Veloso, o prometido não é devido.
Não, nada sectário, só clareza, o que reclamo é perspicuidade, alvura, luz sobre o alambique, para ver de onde escorre riqueza que não se vê.
Mas, creio bem, é isto que vamos ter, muita parra e pouca uva. Escassa aguardente, os limpadores do país, com fatos fluorescentes, vassoura e camiões de resíduos – outro bom negócio e ala.
Não basta, é preciso terminar com a gestão em part-time, nomear administração que faça a resolução de problemas desta Pátria onde, baixar dívida ou assegurar que o Estado domina as infraestruturas críticas,
parece ser crime.
Melhor é reabilitar a moradia ou, voltando à aguardente, 100 quilos de uva para 75 litros de mosto e 25 de resíduos da fermentação, bagaço.
Há quem faça um cântaro, outros, com bem menos, fazem quatro potadas, esquecidos que se envelhecer, a aguardente só tira oito litros.
Certo, certo, é termos uma crise de ideias, uma falta de estratégia, uma preguiça que espera que a maça caia da árvore, para a roer. Tempos estranhos, estes, de capitão Bolsonaro no mando da companhia e lanceiros na retaguarda.
Ou jogos de casino, a lembrar 1871, e as vésperas, na “Questão Coimbrã”, “doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado, um abuso do direito de reunião, que ofendem as leis do reino”. E ainda deram uma rua ao marquês de Ávila e Bolama, censor mor das “Conferências do Casino”.
Tal como hoje, a “piolheira” existia, mas não se podia falar dela. E isto, num país de delatores anónimos e corporações de justicialistas, a coisa encaminha-se. Sobretudo quando dá jeito, ou se emaranha. Como lá no Leste, a justiça moldar-se-á?
Sobretudo se os da barraca conseguirem mesmo limpar Portugal. Aí a barraca abana, ou, como pregava aquele programa na rádio, “ó Ilda mete os putos na barraca que isto vai dar porrada não tarda nada”
Opinião I Amadeu Araújo – Jornalista
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