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Papa está há 10 anos a levar as periferias para o Colégio Cardinalício
O Papa Francisco, eleito em março de 2013, está há uma década a levar as periferias para o Colégio Cardinalício, que vai passar a integrar, a partir de sábado, o novo bispo de Setúbal, Américo Aguiar.
No início de março de 2013, antes de Francisco assumir a liderança da Igreja Católica, a maioria (60) dos então 115 cardeais eleitores, aqueles que podem eleger o Papa por terem menos de 80 anos, tinha proveniência europeia. Numa projeção a 30 de setembro, feita pela agência Ecclesia, dos 137 cardeais eleitores, 53 serão europeus.
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No consistório, a Américo Aguiar, presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 e futuro titular da Diocese de Setúbal, juntar-se-ão outros prelados, incluindo da Malásia e Sudão do Sul, países sem representação no Colégio Cardinalício, onde também vai passar a estar Hong Kong.
A professora catedrática da Universidade Fernando Pessoa, Teresa Toldy, considerou que a estratégia do Papa “é ir para as periferias, portanto, desequilibrar, no sentido positivo do termo, forças que fossem mais conservadoras e que ainda estivessem no Colégio Cardinalício”, cuja missão é aconselhar o Papa.
“Isso é um aspeto que é muito relevante nesta decisão”, afirmou à agência Lusa a professora de Ética doutorada em Teologia.
Jorge Bergoglio, que era arcebispo de Buenos Aires (Argentina) quando foi escolhido líder da Igreja Católica, é o primeiro Papa americano e, também, o primeiro Papa jesuíta.
Assim que foi eleito, sucedendo a Bento XVI (1927-2022), nas primeiras palavras que dirigiu à multidão que se encontrava na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, Francisco referiu que os cardeais foram buscar um Papa “ao fim do mundo”.
No mesmo mês, numa missa, exortou o clero a ir para “as periferias, onde se encontra o sofrimento”.
Além de Américo Aguiar, até agora bispo auxiliar de Lisboa, outros três cardeais eleitores portugueses (e que podem ser eleitos por terem menos de 80 anos) estão no Colégio Cardinalício: Manuel Clemente (patriarca emérito de Lisboa), António Marto (bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima) e Tolentino Mendonça (prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação).
Dois outros portugueses, Saraiva Martins e Monteiro de Castro, integram o Colégio, mas por terem ultrapassado os 80 anos não participam num futuro conclave.
Para Teresa Toldy, “o facto de haver mais cardeais portugueses terá a ver com a maior proximidade daquilo que é o espírito e que são as ideias centrais do Papa Francisco e a preocupação que ele tem tido em renovar o Colégio Cardinalício com direito a voto, isto é, em termos também de faixa etária”.
O assistente geral dos Missionários do Espírito Santo, padre Tony Neves, salientou que com os novos cardeais (21 no total, incluindo três não eleitores), “o Papa continua a ir às periferias”.
“E, sobretudo, continua a ler sinais do futuro para a Igreja”, disse, assinalando que, ao tornar Tolentino Mendonça seu conselheiro, “a ideia do Papa foi buscar alguém do mundo da cultura” e com “capacidade de entrar num mundo que, habitualmente, a Igreja não entra muito”.
Segundo Tony Neves, “foi esse o filão que o Papa quis explorar” com Tolentino Mendonça, sendo que, com a escolha de Américo Aguiar, Francisco “vai buscar um outro filão, que é também fundamental e para o qual a Igreja, sobretudo no Ocidente, está a afastar-se”, a juventude.
O espiritano lembrou que Américo Aguiar foi “capaz de pegar naquilo que, à partida, se achava que ia ser um pequenino evento com muito poucos jovens”, porque “Portugal é pequenino e a juventude em Portugal, segundo todos os indicadores, estava muito afastada da Igreja, ainda por cima com a questão dos abusos [sexuais] ficou pior”, e torná-lo num evento com 1,5 milhões de pessoas, referindo-se à JMJ.
“O Papa (…) percebeu que tinha ali alguém que o poderia auxiliar muito nesta necessidade e urgência que a Igreja tem de descer ao planeta jovem”, defendeu.
Frisando que as periferias não são apenas geográficas, Tony Neves destacou que Francisco “tem sido muito bom nesta capacidade” de “fazer das periferias o centro”, porque “é nessas periferias que se joga o futuro da Igreja”.
O padre jesuíta Nuno da Silva Gonçalves, professor na Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja da Pontifícia Universidade Gregoriana, disse que haver quatro cardeais eleitores portugueses deve atribuir-se, “sobretudo, ao mérito pessoal e à confiança neles depositada pelo Papa”.
“É de reconhecer, claramente, que o número de quatro cardeais eleitores vai muito além do peso que se pode atribuir à Igreja portuguesa no conjunto da Igreja Católica. Por isso mesmo, temos de procurar outros critérios que não os da simples representação proporcional, baseada no número de católicos de um determinado país”, argumentou.
Realçando que não se pode esquecer que “a escolha dos cardeais é uma prerrogativa pessoal do Papa”, pelo que a confiança é, no seu entender, “o critério decisivo”, o sacerdote, que a partir de domingo passa a ser diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicação dos Jesuítas e uma das mais antigas do mundo, sublinhou que Francisco tem “privilegiado este critério da confiança, manifestando uma grande liberdade nas suas escolhas”.
“Basta vermos que tem escolhido como cardeais bispos de dioceses consideradas ‘secundárias’, em detrimento de grandes dioceses cujos bispos tradicionalmente eram criados cardeais”, declarou.
Na opinião do padre Paulo Terroso, diretor de Comunicação da Arquidiocese de Braga e membro da Comissão de Comunicação do Sínodo, este é “um momento excecional na História da Igreja em Portugal, dada a dimensão de país e o facto de Portugal já não ser sinónimo de Império”.
“Basta comparar Portugal com a nossa vizinha Espanha que, embora tenha seis cardeais, tem quase cinco vezes mais população do que Portugal. Ou então com a França, que tem neste momento tantos cardeais como Portugal, quatro”, exemplificou.
Para Paulo Terroso, as escolhas de Francisco têm “mais a ver com a relação e o conhecimento que o Papa tem com os escolhidos e do que eles podem contribuir como [seus] conselheiros” do que com a geografia, “ainda que esta não seja desconsiderada ou irrelevante”.
O sacerdote referiu que, “quanto mais cardeais eleitores um país tiver, maior será sua influência no próximo conclave para eleger um Papa (…), mas depende muito do entendimento dos cardeais entre si”, admitindo que, “basicamente, significa que Portugal, melhor, a Igreja em Portugal, pode desempenhar um papel significativo na direção futura da Igreja Católica”.
“Para a Igreja em Portugal, o mais relevante, na minha perspetiva, para além do prestígio que o cardinalato significa, não é ter mais ou menos cardeais que altera a realidade interna. É muito mais importante, porque determinante, o perfil do bispo e a relevância eclesial e social da diocese que lhe foi confiada”, acrescentou.
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