Justiça
Ordem acusa Governo de querer abrir advocacia a não licenciados em Direito
A Ordem dos Advogados acusa o Governo de exigir que se pronuncie sobre uma proposta de alteração ao seu Estatuto que desconhece, que pode alterar o que está consagrado como atos próprios da advocacia e abri-la a terceiros.
Em declarações à Lusa, a bastonária dos advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, disse que em três reuniões já mantidas com o Governo – uma a 31 de março e duas esta semana -, convocadas para “discutir viabilidades de adaptação” do Estatuto da Ordem dos Advogados à nova lei das associações profissionais públicas (LAPP), o executivo nunca apresentou a sua proposta para o efeito, ainda que a queira ter pronta a tempo de a entregar até 24 de abril na Assembleia da República, onde terá que ser aprovada.
Para além de desconhecer a proposta do Governo, a Ordem dos Advogados desconhece também qual é a recomendação da Autoridade da Concorrência (AdC) -a quem compete essa tarefa – para definir o que vai ficar consagrado como atos próprios da advocacia, ou seja, definir o universo de procedimentos que apenas podem ser praticados por advogados.
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“Nós já conhecemos um parecer anterior que foi emitido, no âmbito de outras tentativas de legislação, em que claramente a AdC não garantia que os atos próprios da advocacia não continuassem a ser aquilo que são nos termos da lei do ato próprio que existe desde 2009. E quando questionámos o Governo sobre o que ia ser esse entendimento e o que é que eles próprios entendiam sobre essa questão, o Governo aquilo que nos diz é que não garante que eles sejam estes que existem atualmente na lei, nem se compromete com isso”, disse a bastonária.
A preocupação da Ordem dos Advogados estende-se ainda a outra possibilidade admitida pelo executivo nestas reuniões.
“Também nos diz, sem nada escrito, mas em conversações, que vê com bons olhos de se poderem abrir os atos próprios da advocacia a outras profissões e inclusivamente poderem vir-se inscrever na Ordem dos Advogados profissionais que nem sequer são licenciados em Direito. Isto é uma coisa que não pode acontecer”, disse Fernanda de Almeida Pinheiro, que defende que o que está a ser proposta é o “desvirtuamento total e absoluto” da profissão e que está em causa a “salvaguarda dos cidadãos”.
“Imagine o que é se os atos próprios dos médicos pudessem vir a ser praticados por outras profissões que não os médicos. Isto não faz sentido absolutamente nenhum. (…) Nesta casa inscrevem-se profissionais da advocacia e inscrevem-se para fazer estágio licenciados em Direito. Ponto. E isso é uma condição mínima de acesso a uma profissão como é a advocacia”, disse a bastonária.
Para Fernanda Pinheiro de Almeida, a possibilidade de abrir a prática da advocacia a não licenciados em Direito é uma tentativa de “legitimar a procuradoria ilícita”, uma prática ilegal de representação legal por alguém sem habilitação para o efeito, contra a qual a Ordem tem alertado, pelas consequências para os cidadãos que a ela possam recorrer.
A bastonária não tem dúvidas que a proposta do Governo, que a Ordem dos Advogados desconhece, mas para a qual acredita estar a contribuir nestas reuniões, acabará por ser aprovada na Assembleia da República (AR) pela maioria parlamentar do PS, mesmo à revelia dos advogados, uma vez que a lei apenas exige que a Ordem seja ouvida no processo, não obriga a um parecer vinculativo.
“O Governo escolhe apresentar uma proposta à AR sem nos dizer o que quer, sem termos a noção do que é a proposta da AdC sobre o ato próprio e pede à Ordem para se pronunciar. Ora, a Ordem está inteiramente disponível para se pronunciar, mas evidentemente que isto não é forma de trabalhar nem de lidar com um Estatuto que tem mais de 300 artigos e é a lei nevrálgica da profissão”, criticou, acusando o executivo de falta de transparência e de impor um prazo “inaceitável” de 10 dias úteis para a conclusão deste processo.
A Ordem dos Advogados está também preocupada com os estágios na profissão, desconhecendo igualmente a proposta do Governo, mas criticando a possibilidade de os licenciados se poderem inscrever na Ordem para estágio a qualquer momento, e a partir daí terem que concluir a formação em 12 meses, incluindo a avaliação.
“Como é que nós podemos ter momentos de avaliação para cada aluno? Isso não é possível, temos que ter um exame, uma, duas vezes por ano, em que toda a gente se submete naquela altura”, disse, recusando que possa haver uma prova para cada estagiário, algo que não existe “em lado nenhum”.
Para a bastonária, a pressa do Governo em concluir o processo para implementar a nova lei das ordens profissionais prende-se com o “economicismo do costume, porque estamos todos aflitos com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, mas defende que para isso não se pode “passar por cima dos direitos dos cidadãos e desmantelar uma profissão inteira”.
“Nessas reuniões até se aventou a possibilidade de se poder realizar imediatamente novas eleições. Nós tomámos posse em janeiro deste ano. Íamos a correr fazer eleições para eleger os órgãos todos, porque o Governo insiste que tem ser criado imediatamente o órgão de supervisão que nem sequer poder esperar para o próximo triénio, coisa que aconteceu com o Conselho Fiscal da última vez que foi alterada a LAPP”, criticou.
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