Polícias
Anonimato das denúncias de abusos na Igreja dificultou realização de justiça
O anonimato das vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa dificultou a possibilidade de se fazer justiça, defende o coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária José Matos sobre as denúncias reportadas pela Comissão Independente ao Ministério Público.
“O crime sexual é um crime contra as pessoas. E, se eu só tiver o abusador e não tiver a vítima, não tenho o corpo de delito. Não consigo fazer prova de um crime sexual se não tiver uma vítima”, refere à Lusa o responsável para a investigação desta criminalidade na região de Lisboa e Vale do Tejo, continuando: “O facto de ser denúncia anónima corta a nossa possibilidade de ter, efetivamente, nos processos que foram abertos a realização da justiça”.
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José Matos enfatiza que sem a existência de um alvo identificado do abuso torna-se muito difícil uma recolha de prova eficaz, apesar de entender que a opção do anonimato assumida pela Comissão Independente terá contribuído para o elevado número de depoimentos. Foram validados 512 testemunhos, o que permitiu a extrapolação para a existência de, pelo menos, 4.815 vítimas, tendo sido enviados 25 casos para Ministério Público (MP).
“Para um dos objetivos da Comissão é ótimo, mas para a investigação criminal e a realização da justiça é muito difícil, para não dizer impossível. (…) Por isso é que a maioria dos processos o MP nem sequer remeteu à Polícia Judiciária. Porque os elementos eram tão parcos, tão limitados, que não se conseguia fazer”, observa.
O coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária (PJ) para os crimes sexuais na diretoria de Lisboa e Vale do Tejo admite ainda que “a maioria das situações já estavam prescritas”, pelo que já nem era legalmente possível levar a investigação por diante, permitindo apenas às vítimas “fazer a expiação do seu trauma”.
Questionado sobre a ausência de uma ligação direta entre a Comissão Independente e a PJ, José Matos realça que “foi uma decisão da Comissão” não ter ninguém daquele órgão de polícia criminal, mas assegura que houve contactos entre as duas entidades ao longo do tempo, relativizando o impacto que uma eventual presença podia ter, devido à grande distância temporal da maioria dos abusos relatados pelas vítimas no seio da Igreja.
Relativamente à sugestão da entidade liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht para elevar para os 30 anos (em vez dos atuais 23) a idade do ofendido antes da qual o procedimento criminal por abuso sexual de crianças (menores de 14 anos) não prescreve, o coordenador da PJ recorre ao percurso nos últimos três anos à frente desta área em Lisboa e Vale do Tejo para assumir que tal alteração seria “residual”, traduzindo-se em poucas dezenas de casos.
“Face à minha experiência nos crimes perpetrados contra crianças e jovens, a questão dos 10 anos de prescrição até se alarga, porque se a criança for alvo de um abuso aos cinco anos, o Código Penal permite que até aos 23 ela possa fazer a denúncia, ou seja, alarga de 10 para 18 anos. A partir de certa idade, é que entra a questão da prescrição apenas dos 10 anos, mas, em termos de realização da justiça, esse tempo dos 10 anos é suficiente”, finaliza.
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