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Carnaval de Luanda entre o semba e o samba
O Carnaval internacionalizou-se com o samba brasileiro, mas em Luanda é ao ritmo do semba que se vai dançar nos próximos dias, marcando o regresso dos desfiles carnavalescos à capital angolana no pós-pandemia.
Esta é apenas uma das músicas tradicionais que serão ouvidas na Nova Marginal de Luanda, já que cada grupo carnavalesco irá mostrar um estilo próprio.
Kazucuta, cabecinha, sambalage ou dizanda são alguns dos géneros de dança a que será possível assistir, mas o semba é o que reúne maior número de praticantes e é também o que vai ser apresentado pelo União Mundo da Ilha, que vai defender o título de campeão.
Trabalho e dedicação são as receitas do sucesso, diz o presidente do grupo carnavalesco do distrito das Ingombotas, António Custódio.
Fundado em 1968, o União Mundo da Ilha é também o mais premiado entre os concorrentes, tendo arrecadado já 14 troféus, o último dos quais conquistado em 2020.
Apesar das restrições da pandemia de covid-19, nunca ficaram parados: “A gente treinava, a gente ensaiava, houve um Carnaval fora de época e isso foi ajudando a mexer um bocado”, relata António Custódio.
Mas este será “o regresso a sério”, garante. “Vamos levar tudo, vamos mostrar toda a nossa verdade dançarina, aquilo que nos caracteriza, aquilo que nos faz ir à Marginal, vamos com um propósito que é dançar o Carnaval”.
Vencer ou perder, sublinha, “é indiferente”, porque o que importa é ir “dançar o Carnaval”, “e “mostrar aquilo que o ilhéu sabe fazer, mostrar a nossa tradição”.
Com falta de apoios, o União deve gastar este ano 20 milhões de kwanzas (cerca de 40 mil euros) na preparação do desfile, que nem mesmo o prémio de três milhões de kwanzas (5.500 euros) – se o conseguirem ganhar – compensa.
Com um défice permanente, António Custódio dedica-se ao Carnaval “por gosto”, mas defende mais investimento público nesta festividade, patrocínio de empresas e um aumento do valor do prémio “para incentivar os grupos”.
Sem revelar o tema deste ano, no enredo do União Mundo da Ilha haverá “um pouco” de crítica social, do dia a dia dos angolanos e, como não podia deixar de ser a propósito do local onde muitos luandenses aproveitam para fazer praia, do mar e dos maus-tratos que sofre.
E como “ninguém leva a mal”, o que se falar “fica no Carnaval”, explica o líder do grupo multipremiado da ilha do Cabo, mais conhecida como ilha de Luanda, ou simplesmente “a Ilha”.
A abrir o desfile, a ala do “xinguilamento” vai tentar “espantar todos os males possíveis”.
Seguem-se “peixeiras”, “pescadores”, “varinas” e “bessanganas”, figuras que demonstram o dia-a-dia do ilhéu e antecedem a vinda da “corte”, seguindo-se o “batuque” formado por percussionistas que acompanham o desfile do carro alegórico num total de 3.000 pessoas.
A ensaiarem desde outubro, os participantes costumam juntar-se durante a semana, à noite.
Vão chegando em pequenos grupos e começam a alinhar, seguindo as ordens do “comandante” que vai gritando ao megafone “varinas” ou “pescadores” e arrumando os foliões nas alas devidas.
As colunas ressoam o ritmo carnavalesco da música composta por Tonicha Miranda e cantada em quimbundo, sem necessidade de traduzir para português a alegria africana.
Seguindo os passos do pai, António Miranda, fundador e primeiro presidente do União, a compositora e cantora, com 34 anos de carreira, escolheu um tema social para a canção deste ano: “É aquilo que vivenciamos, não é a ralhar, mas sim a sugerir, porque é preciso opinar. Se não tivermos opinião é difícil e enquanto cantamos, é por aí que a gente vai”.
A letra fala de valorizar o que se semeia, uma mensagem que é “dirigida a toda a gente”, por que “todos usufruam da terra”.
Com os panos africanos ajustados aos corpos, vão ensaiando os passos, animados pelo apito que vai marcando a cadência, “um, dois”, “um, dois”, “um, dois”.
Entre os foliões, está o jovem Jesualdo Taveira, “xinguilador”, no seu terceiro ano de Carnaval e que participa pela primeira vez no grupo dos mais velhos.
“Carnaval é tradição, é alegria, é paz, é harmonia, é bom”, responde, quando lhe perguntam por que gosta do Carnaval. Tal como outros jovens, também a maioria dos seus familiares “participam” e “são eles que dão incentivo para participar”, entusiasma-se.
Salomão Manuel, de turbante e traje africano, dança no União Mundo da Ilha há mais de 15 anos, mais de metade da sua vida.
Começou nos “cassules” (crianças), subiu para os adultos e assume há cinco anos o papel de “comandante”, cumprindo a missão de organizar o grupo e a dança.
Descreve o Carnaval como “a maior manifestação cultural”, um momento de amor, de alegria e euforia, e exalta as particularidades do União na maneira de dançar e de vestir, um grupo que se foi modernizando “sem esquecer os passados”.
Dumay Missete, agente cultural e estudioso do Carnaval angolano, lembra que o Carnaval brasileiro, sobretudo o da Bahia, “é produto de Angola” e convida os turistas a celebrarem também esta tradição.
“Primeiro, está o Carnaval do Brasil, tendo em conta a projeção da grande indústria que é, mas a seguir é Angola”, assinala, acrescentando que o objetivo é também internacionalizar o Carnaval angolano, sobretudo em África, com maior promoção turística.
“Tivemos um Carnaval atípico na fase de pandemia, dois anos consecutivos, mas em 2023 os angolanos sairão à rua como é habitual, cada um à sua maneira para dançar o Carnaval, manifestando a sua própria cultura”, de forma espontânea, salientou.
“Com chuva ou sem chuva, dançamos o Carnaval”, continuou.
Os jurados irão avaliar vários itens. Coreografia, canção, alegoria, corte, bandeira, trajes, falange de apoio, são as categorias que serão avaliadas, compondo o enredo do grupo carnavalesco, em que o “comandante” é uma das principais figuras.
“Se um grupo não tiver o enredo completo, então o júri não poderá dar a classificação”, adiantou o especialista.
Diz que a crítica social é “bem-vinda”, desde que seja construtiva, e ressalta aspetos como os “insultos do dia a dia” e rivalidades de bairros, entre outros que fazem a riqueza do Carnaval angolano.
“A canção também é uma mensagem, um apelo à sociedade, às nossas entidades governamentais, isso tudo faz parte do nosso mosaico cultural”, afirmou, citando o poema de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, que dizia “havemos de voltar às nossas tradições”.
Para Dumay Missete, é importante resgatar e voltar a levar o Carnaval às luzes da ribalta, fazendo com esta cultura seja um testemunho “para as próximas gerações darem continuidade”.
O produtor realçou ainda que músicas como a kizomba e o semba se espalharam pelo mundo.
“Então quem quiser dançar kizomba, quem quer dançar o semba tem é de vir a Angola (…) vamos fazer que o Carnaval de Angola seja uma marca no mundo”, convidou.
O Carnaval que regressa este ano à Nova Marginal vai contar com 44 grupos carnavalescos, 16 da classe infantil, 15 da classe B e 13 da A, segundo a Associação Provincial do Carnaval de Luanda (APROCAL).
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