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TikTok está na mira dos Estados Unidos da América
Depois da Huawei, a chinesa TikTok é o alvo dos EUA que está a banir a plataforma dos dispositivos federais, numa altura em que Bruxelas analisa a forma como a rede social protege a privacidade dos utilizadores.
Em 10 de janeiro, o presidente executivo do TikTok, Shou Zi Chew, reuniu-se com quatro comissários europeus sobre o tema, em Bruxelas, e terá encontro com o comissário do Mercado Interno no dia 19.
Depois da Huawei, a rede social TikTok, propriedade da chinesa ByteDance, está na mira dos norte-americanos, não só por questões de dados, mas por poder influenciar a maneira de pensar dos seus utilizadores e, no máximo, eventualmente permitir espionagem.
“Estamos a falar da rede social com maior número de membros ativos”, aponta, em entrevista à Lusa, o jurista João Leitão Figueiredo, sócio da sociedade de advogados CMS na área de tecnologia, media e comunicação.
O TikTok conta com “cerca de 6.000 milhões de ‘downloads'” feitos da aplicação e, ao contrário das outras redes sociais, que são todas detidas por empresas norte-americanas – Twitter, Facebook e Instagram (Meta), entre outros – esta é chinesa.
“Portanto, estamos aqui numa luta entre titãs e a Europa está aqui um pouco no meio”, refere.
É claro que a Europa tem uma “proximidade política, cultural maior com os Estados Unidos” do que com a China, o que “leva também os diferentes agentes europeus a preocupar-se um pouco mais com estas matérias neste momento”, enfatiza, sublinhando a “pressão” de Washington sobre este assunto.
Tudo começou há dois anos com Donald Trump, então Presidente dos Estados Unidos: “Em 2020, o Trump foi o primeiro a efetuar aquele grito de alerta de que os chineses, o regime autocrático (…) chinês estava a utilizar esta plataforma social para influenciar o povo americano”, recorda.
De facto, quando “olhamos para os cerca de 1.500 milhões de utilizadores do TikTok estamos a falar de um número absolutamente monumental de utilizadores, 100 milhões são norte-americanos”, sensivelmente 30% da população norte-americana.
Na Europa, “temos 250 milhões de utilizadores, com a particularidade do TikTok, ao contrário de outras redes sociais, desde sempre ter sido utilizado por um público mais jovem, dos 13 aos 19 anos”, ou seja, cerca de três quartos dos utilizadores.
“Portanto, 200 milhões de jovens europeus utilizam o TikTok”, indica.
A lógica norte-americana assenta em dois vetores, sendo que o primeiro tem a ver com a segurança da informação e a passagem dos dados dos EUA para a China.
“Este é um problema que é comum e é acompanhado integralmente pela União Europeia. O segundo ponto prende-se com a utilização que é feita do algoritmo TikTok, que basicamente permite a colocação de conteúdos ‘nonstop’ [sem parar] nos dispositivos dos norte-americanos e é aqui que começa a surgir o problema mais grave”, prossegue.
Tudo isto não é muito diferente de outras plataformas, mas a preocupação dos EUA é como “garantir que esta utilização massiva de dados (…) não vai chegar às mãos do governo chinês”.
Ora, “desconfiamos que na China o setor privado não seja tão robusto e não seja tão independente do Estado como acontece nas democracias liberais ou nas democracias europeias e nos EUA”. E este problema foi “novamente” reativado, sendo que o senador Ted Cruz tem sido dos mais ativos porta-vozes no combate ao TikTok, recorda.
Perante isto, a “solução salomónica passaria por transferir o TikTok para uma empresa norte-americana”, mas obviamente que a ByteDance “não está propriamente interessada em vender (…) e perder a sua maior fonte de receitas” de um projeto “global de uma empresa tecnológica chinesa ao nível das redes sociais”, considera.
Entretanto, contrataram os serviços ‘cloud’ da Oracle – denominado projeto Texas – “para manter nos EUA todos os dados que são considerados sensíveis nos termos da negociação que estão neste momento a decorrer” com a CFIUS [Commitee on Foreign Investments In the US].
“O que é que acontece e porque é que começam a surgir demasiadas brechas nesta questão? Porque eles vão bloquear o acesso a informação ou pretende-se que se bloqueie esse acesso a informação que seria facilmente acessível por parte do TikTok” e não é isso que a rede social quer, aponta.
Trata-se de informação sobre os hábitos dos utilizadores, a sua localização e isso “não está abrangido por este acordo, sendo que a Oracle está apenas a dar a parte a plataforma técnica, a ‘cloud’, todo o ‘software’ que será instalado e utilizado para a conservação e gestão dos dados dos cidadãos norte-americanos” será propriedade do TikTok, “ou seja, é uma mera aparência de que este projeto, o ‘Project Texas’ (…) é uma solução”.
Por um lado “é positivo”, já que “há uma parte dos dados que não serão, por inerência”, transferidos para a China, mas não resolve o problema. Primeiro, porque se ficou a perceber mais recentemente com o acesso a gravações das reuniões do TikTok que estes no fundo “brincavam com a situação”, dizendo: “Ok, guardamos lá os dados, mas conseguimos aceder a partir da China”.
Isto veio a colocar a “nu” que a atitude “não tem sido a mais transparente nestas matérias”, mas que não é diferente de outras plataformas. “Esta questão prende-se maioritariamente com o facto de ser uma empresa chinesa e haver aqui já, desde a altura da Huawei, e agora novamente um braço de ferro pelo poder nos mercados [dos serviços] digitais”, enfatiza.
O diretor do FBI veio alertar que havia um “atentado ao modo de vida” dos norte-americanos e “uma forma de alterar a maneira de pensar” segundo aquilo que “são as intenções” de Pequim.
“A Europa acordou um bocadinho mais tarde e também é natural que assim aconteça porque” esta “é um pouco mais neutra do ponto de vista político e não está nesta dicotomia entre dois gigantes, entre duas superpotências como a China e os EUA”, argumenta.
A Europa, ao contrário dos EUA, já tem legislação sobre serviços e mercados digitais – Digital Services Act (DSA) e Digital Markets Act (DMA) -, em vigor este ano, que vai regular alguns destes aspetos que vão afetar o TikTok, tal como outras plataformas.
A revelação recente que a ByteDance terá usado dados do TikTok para rastrear jornalistas causou “grande impacto” na Europa, levantando receios de que, mais de uma utilização de influência e transferência de dados, sejam possível fazer espionagem e, aí sim, “torna o caso bastante mais grave”, alerta.
“Os EUA estão a pressionar os decisores europeus no sentido de tomarem decisões mais abruptas, não apenas do ponto de vista jurídico, no sentido dizer vamos criar regulação que os obrigue a cumprir aquelas que são as nossas regras das democracias ocidentais, mas, mais do que isso, nós vamos cortar-lhes o acesso aos nossos mercados”, refere.
Trata-se de dois dos mercados “mais ricos do mundo e mais relevantes para o TickTock”, sem contar com a China.
“Estamos a falar de um limite máximo (…) de se poder estar a falar de espionagem, mas por outro lado, estamos a falar na capacidade de uma empresa influenciar a nossa forma de pensar, a nossa forma de atuar contra aquilo que é o nosso conhecimento ou consciência. E este é um elemento que me parece muito importante, ou tão ou mais importante do que o facto dos meus dados estarem a ser transferidos para a China por ter o TikTok no meu telemóvel ou num qualquer dispositivo”, argumenta o jurista.
Embora não haja uma decisão transversal na Europa, existem “manifestações de vários partidos políticos, nomeadamente na Alemanha, no sentido de tentar aprovar legislação que proíba o ‘download’ do TikTok para dispositivos governamentais”.
Há também uma investigação que está a ser feita pela autoridade irlandesa relativamente à violação dos dados pessoais, aguardando-se uma decisão.
No entanto, “não serão uns quantos milhões de euros que irão afetar o TikTok e no final do dia é mais importante resolver um problema real do que propriamente estar a tentar saneá-lo com a aplicação de coimas”, remata.
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