Justiça
Pedrógão Grande: Ministério Público recorre da absolvição do comandante de bombeiros e ex-autarcas
O Ministério Público (MP) recorreu da absolvição de sete arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande, incluindo do comandante dos bombeiros Augusto Arnaut e dos ex-presidente e vice-presidente da Câmara, Valdemar Alves e José Graça, respetivamente.
De acordo com o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, a que Lusa teve hoje acesso, o MP recorreu ainda da absolvição da então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, e dos três funcionários da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).
O MP não contestou a absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) José Geria e Casimiro Pedro, do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.
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Em sede de primeira instância, o Tribunal Judicial de Leiria absolveu os 11 arguidos num julgamento em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
A maioria das vítimas mortais foi encontrada na Estrada Nacional (EN) 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos. A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.
No recurso agora conhecido, de 467 páginas, o MP sustenta, entre outros aspetos, que Augusto Arnaut não pediu atempadamente o instrumento Arome (previsão meteorológica específica para um local) e não informou cabalmente o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria sobre a evolução do incêndio, pelo que deve ser condenado pela totalidade dos crimes que lhe foram imputados (63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, alguns dos quais grave, e todos por negligência).
Quanto aos funcionários da Ascendi, o MP quer a condenação pela “totalidade dos factos e pela imputação da totalidade dos crimes relativos às vítimas mortais e feridos” que lhe estavam imputados no despacho de acusação, nesta parte também secundado pelo juiz de instrução criminal (34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência).
Por fim, quanto a Valdemar Alves, José Graça e Margarida Gonçalves, o MP pede a sua condenação “somente pela omissão de deveres de gestão da faixa de combustível” em quatro vias, que terão provocado a morte de seis pessoas.
Os incêndios de Pedrógão Grande deflagraram na tarde de 17 de junho de 2017.
Segundo o despacho de acusação, os fogos de Escalos Fundeiros e Regadas foram desencadeados por descargas elétricas de causa não apurada com origem na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da antiga EDP Distribuição, em troços junto aos quais os terrenos estavam desprovidos de faixa de proteção e onde não tinha sido efetuada a gestão de combustível.
Estes dois incêndios acabaram por se juntar, ao final do dia, num processo designado de “encontro de frentes”, que conduz a um mecanismo de comportamento “extremo de fogo”, e unificado, progrediu “com grande rapidez e intensidade”, chegando à EN 236-1 e a outros locais de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, os concelhos mais fustigados.
No acórdão, lido em 13 de setembro, o coletivo de juízes de Leiria não deu como provado que os dois incêndios tenham sido desencadeados por descargas elétricas, nem que junto aos troços da linha de média tensão onde aquelas ocorreram os terrenos estivessem sem faixa de proteção.
Para o tribunal, não se provou também que as mortes e os feridos “tenham resultado, por ação ou omissão, da conduta de quaisquer dos arguidos”.
Por outro lado, considerou provado que, “resultante da combustão de elevada carga de material combustível e muito inflamável, e encontro de frentes de fogo, se verificou” a criação de uma “coluna convectiva/‘outflow’ convectivo, com aumento de projeções e aumento de velocidade de propagação do fogo e formação de tornados de vento e tornados de fogo”, segundo uma nota à imprensa do tribunal sobre o acórdão.
Na nota, referiu-se ainda que ao início da noite desse dia, na zona da EN 236-1 “verificou-se o colapso da descrita coluna convectiva do incêndio/‘downburst’”, o que resultou “numa ‘chuva’ de projeções e gerou vento de grande intensidade que, transportando partículas de fogo e incandescentes, após atingir o solo, soprou de forma radial em todas as direções, com velocidades da ordem dos 100 a 130 quilómetros/hora”.
Os magistrados judiciais consideraram que esta situação apresentou “valores de intensidade do fogo (radiação) da ordem dos 60.000” quilovolts/metro, além da longitude da chama até 80 metros, com temperaturas da ordem dos 900 a 1.200 graus Celcius, e fumo denso que anulava a visibilidade”.
“Mais resultou provado que a generalidade dos óbitos verificados, designadamente na EN 236-1, e das lesões físicas sofridas foram consequência direta do ‘outflow’ convectivo e/ou do ‘downburst’ verificado”, explicou a nota de imprensa, assinalando que este foi “um fenómeno pirometeorológico extremo, raro e imprevisível”.
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