Coimbra

Há cada vez mais jovens a pedir ajuda à Cozinha Económica de Coimbra (com vídeos)

Zilda Monteiro | 2 anos atrás em 26-10-2022

São cada vez mais os jovens que recorrem à Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI), em Coimbra, para fazerem a sua refeição. A estes juntam-se também muitas famílias e muitos emigrantes que não estão a conseguir fazer face a todas as despesas e que recorrem ao Refeitório Social da instituição para comer.

Continuar a responder condignamente a todos os que, neste cenário de crise, precisam de ajuda continua a ser o grande desafio da ACERSI, instituição que funciona na Baixa de Coimbra, no Terreiro Mendonça, e que se prepara para celebrar 90 anos no próximo ano, precisamente no dia da cidade, a 4 de julho.

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Depois das dificuldades trazidas pela covid-19, que levaram esta casa a reinventar-se para continuar a responder sempre ao crescente número de pedidos de ajuda, novas dificuldades surgem agora.

A presidente, Ana Maria Medeiros, lembra que foi preciso “readaptar todo o funcionamento da instituição”, que passou a entregar as refeições em regime de take away no caso do Refeitório Social, mantendo também o acompanhamento aos utentes do Centro de Dia e do Apoio Domiciliário que tiveram que ficar em casa devido ao confinamento.

Mas, pouco tempo depois do retomar da normalidade, com as portas a abrirem-se novamente em março, eis que novos problemas surgem, com a guerra da Ucrânia a provocar uma inflação imprevisível a que muitas famílias não estão a ser capazes de responder.

É no Refeitório Social que as dificuldades são mais evidentes. “Ninguém nos bate à porta e sai sem comida”, sublinha Ana Maria Medeiros, dando conta que passaram a servir mais de mil refeições por dia entre julho (5.809) e setembro (6.858).

Os pedidos de ajuda estão novamente a subir e o público está a mudar, sendo muito preocupante o número de jovens e de famílias que estão a bater à porta desta instituição para fazerem as suas refeições.

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De acordo com a diretora técnica da instituição, Ana Maria Cristóvão, só em setembro foram acompanhadas 516 pessoas no Refeitório Social. Muitas vêm para o almoço e para o jantar e, mesmo que não venham sinalizadas pela Segurança Social (SS) ou por outra instituição da rede social, assegura que “ninguém vai embora sem comer”. Nestes casos, quem puder paga 1,5 euros pela refeição. Se alegar que não tem, faz a refeição na mesma e, caso volte nos dias seguintes, a instituição analisa a sua situação e reencaminha para a SS.

Assume que estes novos utentes, sobretudo os jovens a partir dos 18 anos, causam “grande preocupação”. Já houve tempos em que também apareceram, mas casos muito pontuais e não com a afluência que se verifica agora.

“É claro que há uma sensibilidade muito grande quando se trata de gente jovem porque alguns deles, ao falarmos com eles, percebemos claramente que foram criados em famílias estruturadas, em que há valores e que depois foram as circunstâncias familiares que os fizeram ficar sozinhos. Olhar para eles e pensar que pode ser um filho nosso ou ter pais a perguntar se os temos visto e se estão bem… não é fácil”, sublinha.

São, como explica, “jovens com dificuldades económicas e sem suporte familiar” que começaram a aparecer mais no período da pandemia, altura em que “servíamos à volta de 800 refeições por dia, ao almoço e jantar”.

Para além dos jovens, Ana Maria Cristóvão mostra-se também preocupada com o aumento de jovens casais e da comunidade emigrante. “Estão a aparecer pessoas novas, em maior número do que antes. Estamos a receber pessoas que nunca tinham tido necessidade de recorrer a este tipo de serviço de refeitório”, lamenta.

Há muitas famílias a precisar de ajuda alimentar. As crianças têm apoio nas escolas mas os pais precisam de recorrer ao Refeitório Social para fazer as refeições. “Não o conseguem fazer de outra maneira. São pessoas cujo rendimento do seu trabalho chega para pagar as despesas fixas ao limite, empurrando ainda algumas para o mês seguinte. Por muito que queiram ser organizadas e estruturadas, não é possível fazer um plano de poupança de cinco cêntimos. Então quando mete crianças pelo meio a situação fica ainda mais dolorosa”, explica.

O contínuo aumento dos preços, que se verifica em todos os setores mas que é muito acentuado nos bens alimentares essenciais, leva a instituição a antever ainda maiores dificuldades.

A direção assegura, contudo, que a prioridade é “continuar a responder diariamente” e garante que “nunca deixará de distribuir alimentação a quem tem carência económica”.

“São pessoas que têm uma situação difícil, já lhes falta tudo, às vezes até a própria saúde e, portanto, temos sempre que prestar este serviço e de uma forma qualificada, com qualidade, com eficácia, com adequação às necessidades das pessoas”, sublinha Ana Maria Cristóvão.

Como o vão fazer? A reposta surgirá, tal como tem surgido sempre noutros contextos de grande dificuldade. A sociedade – pessoas individuais e empresas – também tem uma palavra a dizer, como tem feito ao longo destas quase nove décadas de história. São muitos os amigos desta casa que, apesar das suas próprias dificuldades, estão sempre sensíveis às dificuldades de quem está, tantas vezes, no “fim da linha”.

“Nunca poderemos deixar de assegurar este serviço. Nós vemos as pessoas a comer no Refeitório, é uma alimentação absolutamente necessária para quem nos pede ajuda”, alerta.

O Refeitório Social está preparado para servir 500 refeições por dia mas, como assegura a direção da ACERCI, a questão da capacidade não se coloca, como ficou bem evidente durante a pandemia, quando todos – equipa e comunidade – se mobilizaram para continuar a garantir que as pessoas pudessem fazer as suas refeições todos os dias.

A história desta instituição faz-se de lutas, todas ultrapassadas. Não será diferente agora, asseguram. Ana Maria Cristóvão lembra que já houve crises muito distintas, em algumas recebiam “pessoas que vinham vestidas de forma muito cuidada mas que tinham empréstimos e salários em atraso”; noutras “a pobreza invadiu completamente esta cidade e revestiu-se de formas inesperadas, associando à pobreza problemas de saúde mental e dependências”.

Todos os utentes do Refeitório Social estão “numa situação de carência económica comprovada”. Ana Maria Cristóvão diz que não são só pessoas sem trabalho. São também pessoas que têm os seus empregos mas que não conseguem fazer face a todas as despesas, que estão “numa situação muito debilitada, de fim de linha, em que à mais pequena oscilação, ficam sem nada”.

Não se trata apenas de pessoas da Baixa mas de qualquer área, que precise de apoio alimentar.

Para além do serviço do Refeitório Social, a ACERSI conta também com as valências de Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário , assim como dinamiza a Oficina dos Avós e tem em curso vários projetos dedicados à população mais idosa.

No Centro de Dia acompanha 16 utentes, a quem foram disponibilizados tablets com jogos de estimulação, música, filmes e que permitem também fazer chamadas de vídeo com familiares. Têm ainda um botão SOS, assim como “lembretes” (para tomar medicação, por exemplo) e brevemente vão ser atualizados com novas aplicações para garantir que os utentes ficam ainda mais perto dos técnicos da instituição. Em muitos casos, estes são as únicas pessoas que veem diariamente, realça a direção.

O Serviço de Apoio Domiciliário conta com 20 utentes. Neste caso, assegura resposta ao nível da alimentação e higiene pessoal e do lar, assim como ajuda a orientar com a medicação e apoia na ida às consultas, compras ou outras situações urgentes.

Em caso de necessidade, a ACERSI tem facultado o seu endereço postal para quem não tem morada e uma pequena rouparia para “situações de emergência”. Articula também com os serviços de saúde ou outros que sejam necessários para ajudar os utentes.

A direção lembra que é preciso olhar para toda esta franja da população com um olhar atento e integrado já que, como explica, muitas destas pessoas são de famílias desestruturadas e sem suporte familiar; pessoas que estão sós, algumas com problemas de saúde, outras em situação de sem abrigo, que estão a envelhecer e que vão precisar, cada vez mais, de uma resposta mais capaz da sociedade, dos serviços de saúde e de ação social.

Veja os vídeos dos diretos NDC:

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