Desporto

José Manuel Meirim escreve sobre a condenação de José Eduardo Simões

Notícias de Coimbra | 11 anos atrás em 02-06-2013

José Manuel Meirim, professor de Direito do Desporto, dá o seu parecer sobre a condenação de José Eduardo Simões, Presidente da AAC/OAF. Uma lição.

Se cometeres crimes, entrega o dinheiro ao clube

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1. Se levasse em linha de conta o sentir da “opinião pública” sobre o valor das decisões da justiça desportiva, este texto poderia intitular-se “Lá como cá”.

2. Um dirigente desportivo, quando no exercício de funções públicas, foi condenado, em 1.ª instância, em quatro anos e sete meses de prisão, com suspensão de execução da pena por igual período, acompanhada de regime de prova, pela prática de um crime de corrupção e outro de abuso de poder. Em causa encontram-se condutas ilícitas em que, resumindo, o arguido beneficiava empresários da construção civil e, com isso, obtinha para o clube vantagens patrimoniais.

Interpostos recursos, incluindo pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação veio a aplicar a pena única de seis anos de prisão.

Seguiram-se os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que recentemente veio a tomar a decisão final sobre o caso.

3. Do extenso acórdão, destaquemos algo que nos marcou, isto é, a pena aplicada: 15 meses de prisão, com a execução suspensa por igual período.

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Centremo-nos apenas em informar as razões que determinaram esta concreta pena, bem diversa da alcançada em 2.ª instância.

Afirma o STJ que as penas servem finalidades de prevenção geral e especial, isto é, pretende-se não abalar a confiança das expectativas de todo dos cidadãos na validade das normas jurídicas e no “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime”. Do ponto de vista da prevenção especial, o critério decisivo é, em princípio, a medida da necessidade de socialização do agente.

Ora, adita o STJ, exige-se um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.

4. Passando ao caso concreto, o STJ afirma que nada impede que a pluralidade de actos (concretamente oito) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa.

Mas (primeiro mas): “Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação […] se destinaram ao clube, num contexto de dificuldades económicas e financeiras”.

Assim sendo, 15 meses de prisão.

5. Mas (segundo mas): “Já antes destacámos a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e o mesmo não deixa de se poder afirmar, em substancial medida, quanto ao crime de abuso de poder. Não obstante, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada, indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal fautor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da ‘vida’ do clube, porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do clube.

Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das ‘constantes dificuldades económicas e financeiras do clube’ não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime, atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico, que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção.

Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e administração da justiça.”

6. Tudo bem, mas o meu sentimento jurídico não compreende. Erro meu, claro está.

José Manuel Meirim é professor de Direito do Desporto

Artigo publicado no Público

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