O combate ao “fosso da desigualdade de género” deve ser aprofundado em todas as instituições dos Estado, incluindo tribunais, defende a Associação de Juízas Portuguesas, em reação à possibilidade de o Tribunal Constitucional passar a ter um juiz antiaborto.
Em resposta à Lusa, a Associação de Juízas Portuguesas (AJP) sublinhou o seu papel específico em defesa da igualdade de género e diz que “concorda fundamentalmente com os princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático português consagrados na Constituição e com toda a legislação que durante a democracia foi sendo produzida no sentido de acabar com o fosso da desigualdade de género”.
Nesse sentido, entende que, “obviamente”, deve continuar a ser promovido “em todas as instituições do Estado e em todos os tribunais, nos seus diversos graus hierárquicos e nas suas diversas competências funcionais, o aprofundamento desses princípios e a concretização na legislação ordinária dos mesmos”.
O Diário de Notícias adiantou no dia 14 de maio que o nome de Almeida Costa seria a escolha dos juízes da “ala direita” do Palácio Ratton para suceder a Pedro Machete, atual vice-presidente do TC e cujo mandato termina em outubro.
A escolha suscitou polémica junto de outra associação congénere, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, que em carta aberta dirigida ao Presidente do TC, João Caupers, manifestou “uma grande estupefação”, recordando um artigo do juiz publicado em dezembro de 1984 na revista da Ordem dos Advogados na qual manifestava posições contrárias ao aborto.
A associação defende que “o candidato em causa sustenta posições jurídicas atentatórias da dignidade da pessoa humana, valor em que se funda a República, tal como o prescreve o artigo 1.º da Constituição da República”.
Entre as posições polémicas defendidas por António Almeida Costa e contestadas pela associação de mulheres juristas estão a de que as mulheres não devem ter direito ao aborto caso este aconteça na sequência de uma violação, sustentando a sua posição em estudos científicos, que alegadamente demonstravam que as mulheres raramente engravidam na sequência de uma violação, e que têm na base experiências realizadas em campos de concentração do Holocausto.
“O recurso a esta metodologia tem uma égide negacionista e possui objetiva conotação cruel, degradante e desumana”, escrevem as mulheres juristas na carta ao presidente do TC, defendendo ainda que “a desconsideração da violação, resultante de ideias tradicionalistas e retrógradas contraria não apenas a ordem jurídica interna como também as normas internacionais a ela atinentes a que Portugal está vinculado, e de que o Tribunal Constitucional é garante”.
“Nesta conformidade, entende a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que o perfil do candidato em causa não se afigura como sendo adequado às exigentes funções de fiscalização da constitucionalidade das leis e das decisões judiciais próprias da competência desse Alto Tribunal, por não ser compatível com a defesa dos valores em que assenta a República, tal como consagrados na sua Lei Fundamental”, lê-se na missiva.
A associação, presidida pela juíza do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Maria Teresa Féria de Almeida, que assina a carta, conclui o pedido sublinhando “as preocupações para o prestígio e credibilidade do Tribunal Constitucional que representará a eventual eleição do candidato em causa”.
De acordo com o Diário de Notícias, António Almeida Costa, de 66 anos, professor de Direito na Universidade do Porto e membro do Conselho Superior do Ministério Público, será a escolha dos cinco juízes do TC indicados pelo PSD, mas precisa de pelo menos sete votos para ser cooptado, pelo que, adianta o jornal, estarão em curso negociações com os juízes indicados pelo PS para viabilizar a nomeação.
Para hoje estavam agendadas duas manifestações, em Lisboa, junto ao Tribunal Constitucional, e no Porto, junto ao Tribunal da Relação, convocadas por vários coletivos feministas que contestam que Almeida Costa possa vir a ser juiz do Tribunal Constitucional.