Justiça
Constitucional rejeitou pedidos para impedir acesso a declarações de interesses e património

O Tribunal Constitucional (TC) recusou aceitar a reserva da vida privada dos cônjuges e familiares como motivo para impedir o acesso público à declaração única de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Em quatro acórdãos divulgados no ‘site’ do TC, e datados de 05 de abril, os juízes do Palácio Ratton analisaram os pedidos de um vereador, um membro de um conselho de administração, uma juíza conselheira e um presidente da uma junta de freguesia (cujas identidades não são reveladas) e decidiram nos vários casos “indeferir o pedido de oposição ao acesso aos elementos da declaração única apresentada” pelos requerentes.
No caso do vereador, este opôs-se “ao acesso integral aos elementos da referida declaração, requerendo que todos os elementos constantes” fossem “sejam mantidos em condição de reserva, sem possibilidade de consulta e acesso público”.
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Segundo o acórdão, este autarca alegou que “a maior parte do património por si declarado foi obtido por herança e rendimentos do cônjuge, B., médica de profissão” e que, “em virtude do acesso público à declaração em causa”, ela veria “a sua recatada vida exposta na praça pública, arrastada para uma situação, relativamente à qual não tem responsabilidade direta”.
Na fundamentação, semelhante nos vários acórdãos, o TC refere que a lei permite ao titular do cargo, com “fundamento em motivo atendível, designadamente interesses de terceiros ou salvaguarda da reserva da vida privada”, opor-se ao “acesso parcelar ou integral aos elementos constantes da declaração de rendimento e património”.
Mas defende que “a existência de motivo relevante para a não divulgação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais tem que ser fundamentada em factos concretos e circunstâncias especiais atinentes ao próprio caso” e que quem se “oponha à divulgação do conteúdo da declaração apresentada não pode limitar-se a alegar motivos que também valem para a generalidade dos declarantes”, porque “se tais motivos procedessem, haveriam então de valer para todos ou para a generalidade dos declarantes e não apenas para alguns”.
“É manifesto, todavia, que o requerente não alega razões especiais, não atinentes ou comuns à generalidade das situações de cotitularidade de bens, direitos ou obrigações, onde possa estribar-se uma restrição do acesso público para além dos limites já legalmente traçados. E, assim sendo, não pode deixar de entender-se que a pretensão deduzida ‘in casu’ pelo requerente não encontra fundamento legal, mas, em contrapartida, já se encontra acautelada, pelo menos nalguma medida, pela própria disciplina legal vigente”, sustenta o TC.
No acórdão divulgado, os juízes do TC assinalam também que “vários elementos sensíveis, referidos explícita ou implicitamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º da Lei n.º 52/2019, antes divulgáveis, deixaram de ser disponibilizados ao público, dispensando-se uma manifestação de vontade nesse sentido por parte do declarante” e refere também que o nome completo do cônjuge do titular do cargo pode não constar na declaração.
É o caso da morada ou de qualquer dado que permita a identificação da residência, números de identificação civil e fiscal, números de telemóvel e telefone, endereço eletrónico e dados sobre os serviços prestados no exercício de atividades sujeitas a sigilo profissional, estipula aquela lei, que estabelece o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Relativamente a informação sobre rendimentos e património, esta lei estabelece que quanto ao património imobiliário, “é disponibilizado para consulta a identificação de cada imóvel, pela sua matriz, localização e valor patrimonial”, e no que toca, por exemplo, a quotas, ações ou participações, “apenas é disponibilizado para consulta o seu quantitativo e o nome da sociedade respetiva”.
“Relativamente aos rendimentos brutos para efeitos de liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, apenas é disponibilizado para consulta o montante total de cada uma das categorias de rendimentos próprios do declarante e o montante da sua quota-parte nos rendimentos conjuntos com terceiros, sendo que em relação aos rendimentos do trabalho dependente também é divulgado o nome da entidade pagadora”, prevê a legislação.
Nos outros acórdãos, o membro do conselho de administração opôs-se ao “acesso aos elementos da referida declaração que digam respeito a terceiros, tendo em consideração a detenção de propriedades imobiliárias em contitularidade com terceiro, e por forma a garantir a reserva da intimidade da vida privada de um terceiro, o qual não é titular de um cargo público”.
Já a juíza conselheira tinha manifestado oposição ao “acesso integral aos elementos da referida declaração que digam respeito a terceiros, com os quais é coproprietária de imóveis ou cotitular de contas e aplicações financeiras ou sua representante e gestora”.
“Invocando razões de reserva da vida privada, declarou também a sua oposição ao acesso e divulgação de quaisquer informações constantes desta declaração para além daquelas que sejam estritamente exigidas e exigíveis nos termos legais”, é referido no respetivo acórdão.
Também o presidente da junta de freguesia opôs-se ao “acesso integral aos elementos da referida declaração, nomeadamente os incluídos nos campos relativos ao rendimento e património”, alegando “apenas a salvaguarda da reserva da sua vida privada e da dos membros que constituem o seu agregado familiar”.
Neste caso, o TC considera que este fundamento “é invocado em termos vagos e totalmente abstratos, não satisfazendo as exigências reiteradamente afirmadas na jurisprudência deste Tribunal e também já passadas em revista, mostrando-se insuficiente para fundamentar uma restrição da aplicação das regras comummente aplicáveis em matéria de acesso e divulgação do conteúdo da declaração apresentada”.
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