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Vidas destruídas e outras acabadas de nascer nas estações de Varsóvia
Nas estações de comboio de Varsóvia cruzam-se refugiados da guerra na Ucrânia com quem vai combater os russos, centenas de voluntários acumulam cansaço com entusiasmo e ouvem-se histórias de vidas destruídas e de outras acabadas de chegar.
É este o caso dos 12 bebés ucranianos filhos de refugiadas que já nasceram nos hospitais da capital polaca nos 20 dias que leva a invasão russa da Ucrânia.
“São mulheres que chegaram num estado muito avançado de gravidez. Imagine a força para chegar até aqui”, diz à Lusa uma assessora da Câmara Municipal de Varsóvia, durante uma visita de jornalistas ao centro de receção de refugiados ucranianos instalado desde 25 de fevereiro, o segundo dia de guerra, na Estação Leste de Varsóvia, onde chega o maior número de comboios oriundos da fronteira com a Ucrânia.
Nos últimos 20 dias têm vindo cheios de refugiados, com uma média de 12 mil a chegarem por dia a esta estação. A guerra já fez 2,8 milhões de refugiados, com 1,7 a fugirem para a Polónia e 200 mil a permanecerem em Varsóvia, que em duas semanas aumentou em 15% a sua população, segundo dados do município.
A resposta nesta estação, como no resto da cidade, tem crescido à medida que os refugiados aumentam. Hoje, há uma sala de espera reservada para mulheres e crianças, um espaço para os animais de estimação, um posto médico, um espaço com roupas e malas para quem chega sem bagagem.
Dois autocarros urbanos compridos, do tipo “lagarta”, foram estacionados em frente da estação e transformados em armazém de bens de primeira necessidade. Estão rodeados de cadeiras de rodas e de carrinhos de bebé doados.
Cerca de 120 voluntários por dia recebem quem chega nos comboios, distribuem comida e bebidas, produtos de higiene para adultos e crianças, perguntam pela situação de cada um.
Encaminham aqueles que têm um destino para casas de familiares e amigos, na cidade ou fora dela, na Polónia ou no estrangeiro. Quem não tem um destino, é encaminhado para centros de acolhimento a partir de onde, através de uma base de dados entretanto criada, se tentam cruzar necessidades com ofertas de casa de privados, sendo que estas disponibilidades “são todas verificadas e validadas” pelas autoridades, explica Katarzyna Niwinska, que coordena o ponto de receção de refugiados na Estação Leste de Varsóvia.
Mais tarde, num encontro com jornalistas internacionais na câmara, o próprio presidente do município, Rafal Trzaskowski, sublinhou como a resposta que a cidade está a dar aos refugiados ucranianos tem estado, nestes vinte dias, muito dependente dos voluntários e organizações não governamentais.
Trzaskowski pediu às Nações Unidas e à União Europeia para montarem uma estrutura coordenada de resposta no terreno, na Polónia, por “a improvisação ” atual não ser sustentável perante uma crise humanitária desta dimensão.
O autarca sublinhou que as centenas de voluntários, polacos e de outras nacionalidades, têm, na sua vasta maioria, de voltar às suas vidas, depois de terem respondido à emergência com dias de férias nos trabalhos ou com a decisão de deixaram as suas famílias durante um período determinado de tempo.
Aos voluntários e funcionários municipais que passam o dia na Estação Leste de Varsóvia, juntam-se aqueles que passam para fazer donativos ou prestar assistência no tempo que o trabalho deixa livre.
É o caso do português Mário Pereira, que vive num prédio em frente da estação e com frequência passa no supermercado para fazer compras que vai ali deixar.
Já recebeu dinheiro da família, em Portugal, para ajudar nos donativos e a mulher, polaca, que fala russo e entende ucraniano, já chegou a passar horas a fio na estação, a ajudar na comunicação.
Mário Pereira tenta também dar resposta a pedidos de ajuda e solicitações que surgem em grupos das redes sociais de que faz parte, como acontece em fóruns de portugueses que vivem na Polónia.
Há, por exemplo, “muita gente a sair de Portugal” em autocarros e carros para vir buscar refugiados à Polónia que “não sabe muito bem o que fazer” e pede ajuda nestes grupos. Surgem também pedidos para ir buscar luso-ucranianos e encaminhá-los e tem havido sempre resposta, conta à Lusa.
“Mas é tudo a nível individual” e não há, por exemplo, uma informação à comunidade das autoridades sobre a melhor forma de responder a algumas situações e pedidos. Para Mário Pereira, “é essa a ponte que está a faltar” para aqueles que vivem na Polónia poderem “ajudar melhor”.
Se a Estação Leste é sobretudo de chegada, a Estação Central de Varsóvia é de espera por uma partida.
No átrio central, dezenas de famílias ucranianas, formadas por mulheres, menores e idosos, esperam pela hora do comboio que as vai levar a casa de familiares e amigos.
Sucedem-se os relatos e imagens nos telemóveis de casas destruídas, cidades bombardeadas, pais, filhos, maridos e namorados que ficaram para trás, na Ucrânia, mobilizados para combater.
São precisamente homens que se preparam para apanhar também um comboio, mas em sentido contrário, de mochila militar às costas, dispostos a juntar-se ao combate na Ucrânia, sempre contra os russos.
Há sobretudo ucranianos, como Ian, de 33 anos, camionista que já viveu “11 meses em Lisboa” e largou o trabalho para ir “lutar e defender a Ucrânia”. Leva consigo “equipamento especial”, em várias mochilas e sacos de viagem, como lanternas, coletes, botas ou material para comunicações.
Mas também há combatentes disponíveis de outros países, como Aleko Elisashvili, deputado da oposição no parlamento da Georgia, do partido Cidadãos.
“Não consigo estar sentado em casa e ver como os bárbaros do século XXI, os russos, destroem a Ucrânia, matam civis, crianças, mulheres, idosos. Nós, os georgianos e os ucranianos, temos o mesmo inimigo, a Federação Russa, o presidente russo, Vladimir Putin, precisamos de o parar”, diz, antes de se afastar a correr, já sem tempo para mais respostas aos jornalistas.
Com mais tempo, mas menos explicações, estão dois ex-militares japoneses na Estação Central de Varsóvia. Não querem revelar detalhes das suas identidades e dizem que querem ir “lutar na Ucrânia”.
Para um deles, que diz que o seu objetivo é “ajudar a Ucrânia”, é uma estreia juntar-se a tropas num país estrangeiro. Para outro, já não é a primeira vez que o faz. Neste caso, esta é apenas mais uma guerra.
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