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Lampreia esteve sempre nas mesas da nobreza portuguesa
A lampreia, que por estas alturas motiva festivais em torno da iguaria, está há muito presente na dieta portuguesa, em particular da nobreza, sendo o único peixe que figura no livro de receitas da Infanta D. Maria.
A importância da lampreia remonta à Idade Média, considerada pela historiadora Maria Helena da Cruz Coelho a “idade do ouro do peixe”, numa sociedade que vivia da terra, mas que também se dedicava “a arrancar” da água, fosse doce ou salgada, diversas espécies de peixes.
De acordo com a mesma historiadora, no artigo “A Pesca Fluvial na Economia e Sociedade Medieval Portuguesa”, as lampreias, entre outros peixes, eram presentes que se ofereciam “aos reis ou riqueza que eles próprios” reclamavam.
A lampreia era conhecida por ser um pescado “muito considerado pelos paladares dos mais poderosos”, nota também Sandra Gomes, na sua tese de mestrado na Universidade de Coimbra “Territórios Medievais do pescado do Reino de Portugal”, publicada em 2011.
A sua importância comprova-se, por exemplo, numa carta de foro, em Coimbra, em que se afirmava que por cada dez lampreias pescadas uma deveria ser dada a D. João I e seus sucessores, até ao primeiro dia de maio, servindo também este peixe como modo de pagamento do usufruto de terras, refere a mesma tese.
Mas já na primeira dinastia era dada muita atenção àquele peixe, com as listas da ucharia (despensa da casa real) de D. Afonso III, quinto rei de Portugal, a registarem 1.656 lampreias secas.
Apesar de ser apetecida nos repastos da nobreza, o historiador Francisco Ribeiro da Silva nota, num artigo científico publicado em 2001, que as lampreias, entre outros peixes, “entravam nas ementas de quase todas as famílias ricas e menos ricas”, em parte face às obrigações religiosas, nomeadamente em tempos de Quaresma.
O Livro de Receitas da Infanta D. Maria atesta a importância que a nobreza dava à lampreia, sendo este o único peixe digno de uma receita neste registo histórico, considerado o mais antigo livro de receitas português.
Ao contrário da receita tida hoje como tradicional pela Câmara de Penacova, no distrito de Coimbra, na altura a Infanta sugeria o uso de especiarias como o cravo, o açafrão e até “um pouco de gengibre”, sem esquecer a salsa, o azeite ou o vinagre, que estão presentes na mais comum das receitas de arroz de lampreia.
Num artigo científico publicado em 2016, o investigador da Universidade de Coimbra João Pedro Gomes nota também a sua presença no livro “Cozinheiro Moderno”, de 1785, da autoria de Lucas Rigaud, cozinheiro da Rainha D. Maria I.
Nesse livro, é apresentada uma “Sopa de Lampreia à Portuguesa” (o único peixe “à Portuguesa” daquele livro), em que a lampreia é refogada em postas, com especiarias, ervas, sangue guardado com vinagre, servindo-se sobre côdeas de pão frito.
Nesse mesmo documento, João Pedro Gomes realça a especificidade do consumo de lampreia na sociedade portuguesa à época, aparecendo documentado como relacionado “com os estratos mais privilegiados da sociedade”.
“Note-se o registo da despesa que a Câmara Municipal de Coimbra, no ano de 1608, faz com a preparação e envio de 75 lampreias assadas a alguns escrivães e desembargadores do Paço, em Lisboa, contemplando todos os gastos feitos com a preparação destas”, refere o investigador, apontando para os vários custos, dos ingredientes aos alguidares para assar, até ao trabalho pago a uma mulher que amanhou as lampreias.
Apesar dessa conotação à nobreza, o juiz da Confraria da Lampreia de Penacova, Luís Amante, salienta que a lampreia seria “consumida por toda a gente”, nomeadamente nas comunidades onde esta era pescada.
“A quantidade de lampreia que chegava era uma loucura. Era um produto que tinha três meses para ser consumido. Não havia reis que chegassem para tanta lampreia”, disse à agência Lusa Luís Amante.
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