Opinião
Municipalização da educação: Como a pressa pode ser inimiga da eficácia
A municipalização da educação está na ordem do dia, com ampla discussão nos media e, sobretudo, nos blogues dedicados às temáticas da educação em Portugal.
Acusações de secretismo no processo negocial de descentralização revelam, intencionalmente ou não, desconhecimento de que essa descentralização se encontra prevista desde 2008 (PRACE II) para ser implementada progressivamente, sem que, até ao momento, tal previsão tivesse merecido grande atenção por parte dos interessados, dos implicados ou dos actores.
A enorme perturbação nas escolas resultante de um péssimo acordo firmado entre representantes dos professores e o MEC, sobre concursos de professores, traduzido no DL 132/2012, alterado pelo DL no 83-A/2014 tem servido de justificação para que se avance rapidamente com a municipalização da educação, na ilusão de que cessariam os problemas nos concursos dos professores caso os mesmos passassem a ser realizados a nível local. Este não é, infelizmente, um bom argumento. Em rigor, nem sequer é argumento. Um mau acordo rompe-se e corrige-se, um mau normativo revoga-se. A manter-se o actual quadro legal, os problemas dos concursos continuarão, sejam estes a nível central ou local.
A descentralização de competências e responsabilidades na educação básica e secundária do Ministério da Educação e Ciência (MEC) para o Poder Local pode vir a trazer benefícios de proximidade aos alunos e às suas famílias, se for ponderada, tranquila e sem acelerações artificiais, para que colha a adesão de todos os implicados. A alteração do sistema de poder que esta municipalização encerra obriga a revisitar Adriano Moreira, que sabiamente define poder como a relação entre a capacidade de obrigar e a vontade de obedecer.
Importa esclarecer que tipo de descentralização se pretende e como regular a sua execução a fim de garantir universalidade e qualidade dos serviços de educação prestados aos alunos e famílias de todos os municípios do país, atendendo a que o Governo não tutela administrativamente as autarquias.
Os Contratos de Educação e Formação Municipal recentemente celebrados entre o MEC e algumas autarquias permitem identificar, relativamente às competências delegadas aos municípios, a necessidade de um acréscimo de recursos financeiros e humanos necessários à execução das responsabilidades que delas decorrem. Quanto aos meios financeiros, pode o Governo assegurar a transferência de verbas adequada, mas, no que respeita aos recursos humanos, será absolutamente necessário o recrutamento de pessoal especializado, com custos acrescidos para os contribuintes. Aliás, ciente dessa necessidade, o Governo já legislou no sentido de autorizar essas novas admissões.
Por outro lado, é necessário ponderar muito sobre o nível de intervenção política que os municípios passarão a ter nas escolas e agrupamentos de escolas, bem como sobre o efeito dessa intervenção na cultura democrática das organizações educativas. Actualmente, já é o município quem mais poder detém na escolha do director, quer pela sua própria representação no conselho geral, quer pela habitual colaboração na escolha dos representantes da comunidade.
Por fim, assumindo que educação e liberdade são conceitos indissociáveis: Como se garante aos pais e alunos a liberdade de escolha do município onde estudar? Como se garante em cada município a liberdade de escolha da escola onde estudar? Como se garante que em todo o país são fornecidos serviços de educação de idêntica qualidade? É que, deixar a interpretação de conceitos fundamentais ao critério de cada um dos 308 municípios, nos termos da autonomia administrativa e política de que gozam, poderia ser uma ameaça séria aos pilares do nosso sistema de educação pública, que acentuaria desigualdades, comprometeria o desenvolvimento económico e, a longo prazo, faria mesmo perigar a democracia.
HELENA MENDES
Vice-presidente distrital de Coimbra CDS-PP
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