Opinião

“Levanta-te e anda”, disse-lhe Pedro. E ele andou*

MANUEL ROCHA | 10 anos atrás em 31-10-2014

Admito que haja quem esteja sentado à espera das boas notícias. Aqueles que, quatro meses após a “saída limpa”, estejam ainda à espera da recuperação e do desenvolvimento que lhes foram prometidos, para depois dos “indispensáveis sacrifícios”.

Admito que haja quem não perceba o pessimismo de todos os indicadores – a evolução tresmalhada do PIB e do défice, a trapalhada da execução orçamental, a voracidade da dívida pública; e a persistência do nível de pobreza, da taxa de desemprego, do fluxo emigratório; e o caos na Justiça, o descalabro na Educação, na Saúde e na Segurança Social, o assassinato dos serviços públicos, as mafiosidades do sector bancário com o novo escândalo do BES/GES, o folhetim da alienação da PT. É o que dá saídas “limpas” de um governo sujador. Por isso é que a proposta do governo de OE traz consigo novos cortes nos salários e pensões e nos direitos, e acentua a canga fiscal sobre quem vive do seu salário.

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Contudo, estas – tão más! – não são ainda as piores notícias. A pior notícia é a daqueles que permanecem sentados à espera de boas notícias, passivos comedores da “evidência” das faltas de alternativa, incautos digestores de não-notícias que exploram temas tão apaixonantes como a chegada do novo sebastião lá dos lados do PS, ou o folhetim do namoro dos abutres (Portas e Passos Coelho).

Mesmo neste cenário de desesperança generalizada, de que os sentados são triste ilustração, continua a ser má ideia considerar a História um beco sem saída. Pois se nunca o foi, e há tanto que os humanos andam em andanças!

Libertem-se, pois, os ouvidos do cerúmen do preconceito, e ouçam, com ouvidos de ver, as vozes da alternativa: as que exigem a demissão do governo, as que denunciam os governantes (de ontem e de agora) enredados no despautério do GES, as que recusam as políticas tão ao gosto das governações PS, do PSD e do CDS, que é como quem diz as que desvalorizam o trabalho, alienam as principais ferramentas económicas (energia, comunicações, água, saúde, educação), diminuem salários e direitos, as que empobrecem a democracia, até nos seus aspetos formais.

Não se lembram de quando se dizia “o povo unido jamais será vencido”? Pois é disso que se fala quando se diz “nova política fiscal”, reposição dos salários, do SNS e do sistema público de educação; quando se defende a “realização de uma conferência intergovernamental para a revogação e suspensão do Tratado Orçamental e da União Bancária”; quando se é contra a alienação da PT, contra a privatização da EGF.

Claro que não faltará quem venha dizer que “lá estão eles com a cassete”. Amável cassete, cumpre-nos assinalar, e precisamente o contrário da lavagem ao cérebro dos “indispensáveis sacrifícios”, do “estado mínimo”, do “rigor orçamental”, da “liberdade de escolha na educação e na saúde”, da “falência da segurança social”, dos “viveres acima das possibilidades”, da “reforma do Estado”, do “regresso aos mercados”.

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Por isso é que aqui se propõe aos sentados, os tais que estão à espera, um desafio. Não adiram já, está bem, mas admitam lá a possibilidade. Deixem os comentadores desdenhar, os economistas de turno perorar, os governantes e a “oposição responsável” escamotear. A ideia é simples e quem a avança é o PCP: renegociar a dívida, preparar o País para a saída do euro, retomar o controlo público da banca.

São propostas concretas, nada mal para quem é acusado de ser um “partido do protesto”. Três propostas integradas, a somar às centenas de outras que desmentem a maldosa classificação dos alternantes do “arco do poder”, esse carrossel de malfeitorias. Renegociar a dívida para garantir que a dívida direta do Estado, em particular a correspondente ao empréstimo da troika, sofra uma redução dos montantes não inferior a 50%, que, em conjunto com a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de pagamento, assegure uma redução de, pelo menos, 75% dos seus encargos anuais. Preparar a saída do euro, pondo um ponto final à dependência absoluta dos mercados financeiros para o financiamento do Estado, retomando a possibilidade de realizar uma gestão monetária, financeira e orçamental autónoma ajustada às necessidades do País. Retomar o controlo público da Banca, contendo os riscos sistémicos para a economia, assegurando uma efetiva regulação, supervisão e fiscalização da banca, travando a especulação financeira e canalizar as poupanças e os recursos financeiros para o investimento na produção nacional.

Uma política a trilhar tais caminhos não seria só uma boa notícia – seria a estratégia para viabilizar um Portugal com portugueses dentro, o contrário de um país à espera, sentado. Há muito quem reconheça que “os políticos são todos iguais” e o diga ao desbarato no meio de toda a gente. Já só lhes falta associar estes “políticos todos” aos “todos os partidos” – PS, PSD e CDS – que vêm desgovernando Portugal. E distanciá-los, por junto, do comando das nossas vidas.

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MANUEL ROCHA

Militante do PCP

Lider da bancada CDU na AMC de Coimbra

*Retirado dos textos bíblicos

 

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