O álbum “Busto” (1962), de Amália Rodrigues, volta aos escaparates no final do mês, em CD, numa edição que inclui outras gravações em estúdio da mesma época, assim como ensaios, uma atuação em Monte Carlo e uma entrevista.
A edição remasterizada a partir das bobinas originais da integral das sessões do LP “Busto”, surge no âmbito do projeto de recuperação das gravações de Amália Rodrigues, liderado por Frederico Santiago, e é publicada no próximo dia 26.
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A edição – em três CD – “Amália Rodrigues” inclui o álbum “Busto”, no seu alinhamento original, e todos os fados gravados nas mesmas sessões, que deram origem a outros dois LP: “Amália 1963” e “Amalia for Your Delight”.
O terceiro CD inclui outro material complementar, parte dele inédito, gravado nessa época das sessões do “Busto”. Para o próximo dia 26, está também prevista a saída de uma “edição especial” que inclui um DVD com um recital de Amália na RTP, em 1961, no qual apresentou este novo repertório.
Em declarações à agência Lusa, Frederico Santiago referiu que “Busto” foi gravado “em várias sessões, que foram acontecendo entre 1960 e 1962, no Teatro Taborda, [em Lisboa], numa altura em que Amália, primeiro noiva e depois recém-casada com César Seabra, passava grandes temporadas no Brasil. Nas vindas à Europa ela não parava. Em 1960, por exemplo, Amália esteve duas semanas a atuar no Bobino, em Paris, depois atuou vários dias em Madrid, partiu para a Tunísia e para a Argélia, onde atuou em várias cidades; depois atuou uma semana em Bruxelas e partiu para a Grécia, voltando a Paris para duas semanas no Olympia. E ainda estamos no início de maio!”
“A dimensão da carreira de Amália é tão desconhecida como inacreditável”, referindo em seguida o investigador: “Se o ano do casamento [1961] é mais calmo, a partir do verão de 1962, exatamente quando o LP ‘Busto’ é pela primeira vez editado [no Reino Unido], volta ao mesmo frenesim artístico, atuando em Espanha, Angola, França e no prestigiadíssimo Festival de Edimburgo”.
Frederico Santiago referiu-se ao álbum como “de uma grande e eterna modernidade”, resultante do encontro de Amália com o compositor luso-francês Alain Oulman.
A par das composições de Oulman, Amália gravou os dois fados tradicionais que mais marcaram a sua carreira, “Povo que Lavas no Rio”, com poema de Pedro Homem de Mello adaptado por Amália, no Fado Vitória, de Joaquim Campos, e “Estranha Forma de Vida”, de sua autoria, que gravou na melodia do Fado Bailado, de Alfredo Marceneiro.
Frederico Santiago não tem dúvidas, este é “um momento refundador da música portuguesa”.
A relação de Amália com o compositor luso-francês tinha começado em Paris, em 1959, quando este lhe apresentou uma melodia que tinha feito para ela. Amália aconselhou-o a falar com o poeta Luís de Macedo, pseudónimo literário do diplomata Chaves de Oliveira, para lhe escrever a letra. Nasceria “Vagamundo”. “Só depois, no verão [de 1959], Oulman veio a Portugal e aconteceu o tão falado encontro entre os dois, num acampamento na Ericeira”, nos arredores de Lisboa.
Nesse mesmo verão, Amália já incluiu “Vagamendo” (Luís Macedo/A. Oulman) nos seus espetáculos da digressão que fez pela Côte d’ Azur, no sul de França, nomeadamente em Monte Carlo. Graças “a uma gravação particular” esse registo é incluído entre os extras desta nova edição em CD do “Busto”.
Entre os extras desta nova edição estão alguns ensaios inéditos no Rio De Janeiro, num dos quais canta a sua primeiríssima versão de “Povo que Lavas no Rio”, outros gravados com Alain Oulman ao piano em Lisboa e a participação de Amália, em finais de novembro de 1962, uma semana antes da saída do LP, na festa de homenagem ao fadista e apresentador Filipe Pinto (1905-1968), que, apesar de ter sido já editada no disco com o espetáculo completo, “Tivoli 62” (2015), que inclui outros fadistas, “é fundamental aqui para perceber a história deste álbum, que só seria apresentado em Portugal em dezembro”.
Outro extra é a entrevista de Amália com Alain Oulman e o poeta David Mourão-Ferreira, dada ao locutor do então Rádio Clube Português Henrique Mendes, em sua casa, na apresentação de “Busto”.
“Este é o único álbum em que Amália é acompanhada pela guitarra de José Nunes”, realçou Frederico Santiago. Ficou célebre no meio fadista a forma como o guitarrista José Nunes (1916-1979) se referia aos fados de Oulman: “Vamos às óperas”.
Para Frederico Santiago, a expressão “condensa a estranheza e a reverência que esta música suscitou”, e que Amália, numa entrevista, afirmou estar à espera, como se intimamente a premeditasse.
As cartas da fadista para o compositor, algumas transcritas no ‘booklet’ do CD, dão conta do contentamento da fadista pelo trabalho com Oulman, a quem escreveu afirmando: “Em boa hora me apareceu!”.
“Tenho cantado em todos os espetáculos o ‘Vagamundo’ e o silêncio do público tem sido religioso. Pense bem e realize quanto lhe devo!”, escreveu Amália, de Nice, no sul de França, para o compositor, em julho de 1959.
O ”Busto”, nome dado ao álbum por a capa reproduzir um busto de Amália, de autoria de Joaquim Valente, conta nove temas, sete com música de Alain Oulman para poemas de Luís de Macedo – “Asas Fechadas”, “Vagamundo” e “Cais de Outrora” -, e de David Mourão-Ferreira – “Maria Lisboa”, “Madrugada de Alfama”, Abandono” e “Aves Agoirentas” -, além dos já referidos “Povo que Lavas no Rio” e “Estranha Forma de Vida”.
As composições de Oulman, referiu Santiago, “trazem novos encadeamentos harmónicos e novas amplitudes melódicas mas respeitam a estrutura e a própria liturgia fadista”, o que o leva a referir-se a este álbum como “uma revolução consciente, mas não premeditada” do fado.
Entre os alinhamentos consta “Dura Memória”, o primeiro poema de Luís de Camões musicado por Oulman.
Santiago chamou à atenção que Amália “foi a mais universal dos cantores populares do século XX, pela quantidade de universos artísticos que incorporou no seu repertório. “Das ‘rancheras’ mexicanas à canção folclórica italiana; do flamenco à canção francesa; do tango aos sucessos do ‘songbook’ norte-americano; de Camões ao ‘Cochicho’; do ‘Malhão’ a Vinicius de Moraes; sempre com autenticidade total e com o domínio quase miraculoso de uma linguagem universal e muitíssimo rara, a do fraseado musical. É isso que a fez chegar às pessoas, foi isso que primeiro impressionou o eruditíssimo Alain Oulman”.
“Amália deixou-nos uma obra colossal”, que Frederico Santiago se tem empenhado em divulgar através de edições remasterizadas das gravações originais, como este triplo CD “O Busto”.
Sobre a intervenção de restauro, feita em colaboração com Pedro Félix, do Arquivo Nacional do Som (ANS), Frederico Santiago afirmou terem-se efetuado “algumas correções mínimas”, e garantiu que “todas as características foram mantidas, entre as quais os diferentes níveis de eco presentes na bobine original”, tendo “solucionado alguns pequenos problemas técnicos para os quais não existiam ferramentas anteriormente”.
As gravações de Amália Rodrigues (1920-1999) são candidatas ao programa “Memória do Mundo”, da organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), pelo “valor universal excecional do registo da sua voz e da sua música”, anunciou o Governo português em outubro passado.
Esta é a primeira candidatura portuguesa de um documento audiovisual.
A candidatura será promovida através da equipa do ANS, em colaboração com a editora Valentim de Carvalho, proprietária da coleção de fitas-magnéticas gravadas pela intérprete entre 1951 e 1990 e de outras gravações, algumas nunca publicadas, como ensaios, diferentes ‘takes’, experiências de gravação, gravações informais, entre outras que Frederico Santiago tem procurado trazer a público através de novas edições, como esta de três CD, intitulada “Amália Rodrigues” e que inclui o álbum “Busto”.