Justiça
Maria Rendeiro condenada a pagar mil euros por incumprir deveres de fiel depositária de quadros
A mulher de Rendeiro vai pagar mil euros por “atuação excecionalmente grave” e incumprimento dos deveres de fiel depositária dos quadros arrestados ao ex-banqueiro, considerando o tribunal que esta sabia das falsificações e do desvio das obras.
“Em face de todo o exposto, condeno Maria de Jesus da Silva de Matos Rendeiro, fiel depositária dos objetos apreendidos a 11.11.2010, pela sua atuação excecionalmente grave e desconforme aos deveres a que ficou adstrita, no pagamento de multa processual em montante equivalente ao máximo legal de 10 (dez) unidades de conta”, lê-se na decisão da juíza Tânia Loureiro Gomes datada de 02 de novembro, a que a Lusa teve acesso.
O tribunal atribui-lhe ainda o encargo das custas judiciais, “sendo a taxa de justiça no valor de 5 (cinco) unidades de conta”. O atual valor da unidade de conta é de 102 euros.
Na sexta-feira da semana passada, a mulher do ex-presidente do BPP João Rendeiro foi chamada a tribunal para prestar declarações sobre o paradeiro das obras de arte de que é fiel depositária desde 2010, mas escusou-se a falar alegando não ter “condições psicológicas” para o fazer.
A advogada de Maria de Jesus Rendeiro disse, na sessão, que a sua cliente não queria prestar declarações, até porque à margem deste processo deverá correr um processo-crime em que Maria de Jesus Rendeiro poderá ser acusada do crime de descaminho, devido a faltarem obras de arte que estavam à sua guarda.
Às perguntas da juíza Tânia Loureiro Gomes, a resposta da mulher de Rendeiro (que está fugido à Justiça) foi de que não tinha condições para falar: “Não estou em condições psicológicas, […] peço muita desculpa”, disse, com uma voz muito emocionada.
A procuradora considerou então que Maria de Jesus Rendeiro não cumpriu os seus deveres de fiel depositária e pediu que fosse sancionada com uma prestação pecuniária.
Por seu lado, o advogado do BPP, Miguel Coutinho, disse no tribunal ter provas de que João Rendeiro vendeu oito quadros que estavam apreendidos entre 23 de outubro de 2020 e 01 de outubro de 2021, por 1,3 milhões de euros, e pediu o arresto do recheio da casa de Rendeiro e da mulher, assim como de outros bens e valores que lhes pertençam.
A decisão do tribunal a que a Lusa teve hoje acesso condena Maria de Jesus Rendeiro ao pagamento de 1.020 euros, mas não dá seguimento ao pedido de arresto de bens, afirmando que “não se vislumbra que possa ser atendido antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido em maio de 2021”, em que Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão.
Neste processo, Maria de Jesus Rendeiro não é arguida, nem se trata de um processo-crime. Contudo, deste foi extraída uma certidão para o Ministério Público com vista a eventual inquérito-crime.
Hoje, foi conhecido que Maria de Jesus Rendeiro foi detida pela PJ para interrogatório, no âmbito de um mandado de detenção do Ministério Público por suspeita de crimes relacionados com as obras de arte apreendidas ao ex-banqueiro, entendendo este que existe “um forte perigo de fuga”.
Na decisão relativa ao processo como fiel depositária, a que a Lusa teve acesso hoje, é contado o que se passou desde 11 de outubro de 2010 quando a Justiça arrestou mais de 100 obras de arte no âmbito do processo Banco Privado Português (BPP).
Nesse dia, a Justiça arrestou a João Rendeiro as obras de arte da sua casa da Quinta Patiño, em Alcabideche (Cascais), com o objetivo de serem usados para pagar indemnizações a eventuais lesados pelo BPP, tendo Maria de Jesus Rendeiro ficado como fiel depositária.
Quase onze anos depois, em maio, Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão por crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento e foi determinada “a perda a favor do Estado dos bens colocados à guarda da fiel depositária” para eventual pagamento de indemnizações. Este processo está em fase de recurso.
Já em 29 de setembro, dois dias antes de serem reavaliadas as suas medidas de coação, Rendeiro tornou público que saiu de Portugal e que não tencionava regressar, fugindo à justiça.
Segundo a juíza Tânia Loureiro Gomes, “na sequência da confessada fuga do arguido” veio a “revelar-se prudente conhecer o estado em que se encontravam os objetos colocados à guarda da fiel depositária”, pois – refere – um cidadão que não respeita a ação da Justiça “tentaria certamente que também os aspetos patrimoniais da sua condenação não obtivessem efeito útil”.
Segundo a juíza, tal risco “veio a revelar-se inteiramente justificado”, uma vez que a PJ (na ida a casa de Rendeiro e da mulher em 11 de outubro) verificou que 15 das obras de arte não se encontravam e que três obras eram mesmo “réplicas de três originais apreendidos”. Bastou o registo fotográfico feito em 2010 e o atual para perceber da falsificação, sem carecer “de qualquer perícia nem conhecimentos especiais”, acrescenta.
A mulher de Rendeiro ficou de entregar as obras em falta na PJ, tendo entregado seis obras, sendo uma delas falsificada, “realçando-se uma vez mais não ser necessário dispor de especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos para, com facilidade, se concluir desta forma”, segundo a juíza.
Assim, conclui a Tânia Loureiro Gomes que Maria de Jesus Rendeiro “não cumpriu os deveres de conservação e guarda que sobre si impendiam, tendo permitido que pelo menos quatro deles fossem substituídos por réplicas destinadas a substituir outros tantos originais, e que parte deles se mantenham em local desconhecido, dado que (ainda) os não entregou na sequência da ordem judicial para tanto emitida”.
Para o tribunal, o “comportamento assumido pela fiel depositária é especialmente censurável”, considerando que “nenhuma dúvida se coloca, face às regras normais da experiência, quanto ao pleno conhecimento [de Maria de Jesus Rendeiro] quer das falsificações de, pelo menos, quatro dos objetos apreendidos, quer da colocação em parte incerta dos que permanecem em falta”.
O antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) João Rendeiro, condenado no final de setembro a três anos e seis meses de prisão efetiva num processo por burla qualificada, está em parte incerta após ter fugido à justiça.
O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, aconteceu em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.
O BPP originou vários processos judiciais, envolvendo burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática, bem como processos relacionados com multas aplicadas pelas autoridades de supervisão bancária.
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