O Sexo e a Cidade
DISCOTECAS E ASSIM: O REVIVALISMO DOS “LOUCOS VINTE”
A Primeira Guerra Mundial findava. Era o ponto final num dos conflitos mais sangrentos que a Humanidade tinha vivido até então. O caos e o horror pareciam ter terminado. A confiança e o sentimento apoteótico surgiam gradualmente por todo o lado. No entanto, o ambiente festivo que se vivia foi temporariamente interrompido pela Gripe Espanhola, que colocou um travão à onda de efusividade que proliferava aqui e além. Parecia que tudo e todos caminhavam para algo próximo do fim do mundo, até ao dia em que aquela pandemia foi declarada falecida.
Entrávamos, assim, nos anos 20, nos Loucos Anos Vinte (vulgo Roaring Twenties), e o ambiente de excessos e de deboche era notório, parecido com aquele que é vivido anualmente nos corredores da SIC num domingo de Globos de Ouro.
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Os pubs e, particularmente, os cabarés enchiam-se de povo faminto de uma diversão que havia sido enjaulada nos últimos anos – tal como agora. Ao ritmo de um jazz que se entranhava na alma, do florescimento do charleston e de danças estapafúrdias que enalteciam a vontade de viver e de abusar no viver, juntavam-se e propagavam-se novas drogas, onde a cocaína fazia furor (era considerada algo natural, incapaz de prejudicar o que quer fosse). Os horrores de tempos recém-passados eram esquecidos.
Milagres no ar surgiam. Todos estavam bem. A mulher emancipava-se, ganhava estatuto, emergia no desporto e na moda, pouco ou nada se importava com aquilo que vestia, esbracejava como nunca ao ritmo do charleston e já não tinha vergonha de se deslocar sozinha àquele beco escuro e ruim para comprar cigarros ou cigarrilhas. Era o auge de tudo e de todos! A sexualidade ganhou vida – praticamente abafada enquanto tema recorrente desde a Roma Antiga. Orgias aconteciam num sítio a combinar, tal como agora. O deboche e a curtição justificavam-se. Entre outras coisas. A glória era, enfim, uma realidade.
Se a “coisa” não sofrer alterações, o mês de Outubro funcionará com uma máquina do tempo, como se cada um de um nós fosse um pedaço de Denzel Washington em “Déjà Vu”.
As discotecas encarnarão, todas elas, o ambiente vivido em Nova Orleães na década em causa. Sem jazz (o que é uma pena), mas, se as modas subsistirem, com muita musicalidade electrónica, funk, pagode e tudo aquilo que o DJ de serviço quiser passar para o pessoal. Porteiros e seguranças voltarão a fechar portas a quem esteja de boné na cabeça, de calças rasgadas ou de All Star brancas carregadas de barro. O habitual “sem convite, não entra” tenderá, naturalmente, a ser substituído por um “sem certificado vacinal, nada feito”.
Lá dentro: línguas invadem bocas alheias – procurando recuperar o tempo perdido -, fios de saliva surgem em formato semi-oval – sempre que os lábios de duas pessoas se afastam -, álcool e drogas regem o compasso dos movimentos na pista de dança, e o sexo fica para depois das seis ou sete da manhã, se o corpo, todavia, o permitir.
Faz tudo parte da bonança que se aproxima, depois de um temporal que nos assolou durante quase dois anos. Avizinha-se uma temporada de euforia, com povo a “dar tudo” – parafraseando aquele candidato a Oeiras que assumiu aquela dose de protagonismo efémero ao plagiar a pose galã de José Cid – em prol de meses e mais meses a não conseguir dar nada daquilo que a vida nos oferece: o convívio, a camaradagem, um excesso de quando em vez, uma boa dose de “toma toma, dá-me dá-me” e a vivência humana num sentido lato e muito romântico.
É isso! As discotecas e coisas parecidas vão reabrir! E nem os valores ditos morais de quem se galvanizava por ver os outros enclausurados de diversão e de felicidade vão impossibilitar o frenesim de uma vida nocturna que privou, durante meses a fio, um mar de gente de ganhar o seu. Adiante. Águas passadas, esperamos, né? O caminho está franqueado! O Olimpo abeira-se! Os deuses sorriem-nos! Viva a vida! Viva!
OPINIÃO DE PEDRO NUNO MARQUES
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