O Bloco de Esquerda (BE) apresentou hoje um anteprojeto de lei para regular as relações laborais com os operadores de plataformas digitais, com o objetivo de facilitar o reconhecimento dos contratos de trabalho dos estafetas.
“Não há nenhum trabalho independente ou autónomo, há trabalho dependente, porque estas plataformas, estas aplicações, com o seu algoritmo, decidem em que condições é que as pessoas podem trabalhar e excluem as pessoas do acesso ao trabalho, se elas não cumprirem essas condições”, afirmou a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.
Numa conferência de imprensa, no Porto, no dia em que o Governo apresenta as conclusões do debate público sobre o Livro Verde do Trabalho, a coordenadora do BE, sublinhou que para o partido é muito importante que “nesta questão da ponderação do futuro do trabalho” se pondere o combate à precariedade.
“O combate à precariedade tem de ser combater novas formas de precariedade e não legitimar novas formas de precariedade. Temos é de adaptar o que o trabalho mudou, nomeadamente pelo digital, garantindo que os trabalhadores têm acesso a contratos de trabalho e a proteção social e não legitimando esta verdadeira selva laboral que temos visto nas plataformas”, afirmou.
Salientando que em Portugal são cerca de 80 mil pessoas “no mínimo” que dependem destas plataformas, Catarina Martins indicou que, por exemplo, um trabalhador que, por indicação da Direção Geral da Saúde, tenha de cumprir isolamento profilático, vê-se perante duas situações.
Por um lado, “dificilmente” terá qualquer rendimento, “porque provavelmente não tem qualquer relação com a Segurança Social”, e, por outro, “quando quiser voltar ao trabalho não consegue, porque o algoritmo da plataforma, como faltou àqueles dias e não fez x serviços, simplesmente o exclui”, observou, acrescentando que estes trabalhadores podem ser despedidos por fazerem uma coisa que lhes é exigida.
Em declarações aos jornalistas, Catarina Martins revelou que o compromisso do partido é o de apresentar à Assembleia da República este projeto-lei ainda nesta sessão legislativa, esperando que o mesmo possa ter o acolhimento dos partidos.
Questionada sobre se considera o Livro Verde do Trabalho um contributo positivo, a coordenadora do BE reiterou não conhecer a versão final do documento, considerando, contudo, que existem riscos.
“A versão final do Livro Verde vai ser apresentada hoje. Nós conhecemos as versões do Livro que estiveram em debate público. Em várias áreas tivemos dúvidas, mas sobre esta matéria especificamente é que se corre o risco de haver propostas no sentido de legitimar a precarização dos trabalhadores das plataformas, em lugar de adaptar o Código do Trabalho para lhes garantir um contrato de trabalho e a proteção social a quem tem direito”
Para Catarina Martins, corre-se até o risco de imputar ao estado, a obrigação de proteção social mínima destes trabalhadores desonerando os seus empregadores “que ganham milhões” das responsabilidades que devem ter para com os trabalhadores.
“Seria um enorme erro o Estado português assumir os encargos de proteção social a que estes trabalhadores têm, sem dúvida nenhuma, direito, mas desobrigando os seus empregadores, que são empresas com um enorme poder económico, que só ganharam com a pandemia, ao contrário da generalidade do tecido económico”, rematou.
A proposta apresentada pelo deputado José Soeiro, tem como objetivo regular as relações laborais com os operadores de plataforma digital, ampliando o Direito de Trabalho de modo a incluir nele, e no estatuto de trabalhador dependente, os trabalhadores das plataformas.
Para isso, defende o Bloco, que tem sido auxiliado por especialistas nesta matéria, é necessário clarificar na lei que não é o facto de o trabalhador utilizar instrumentos de trabalho próprios, de não ter dever de assiduidade ou de pontualidade ou de utilizar simultaneamente diversas plataformas, que deve afastar a qualificação da sua realidade contratual como uma relação de trabalho subordinado.
Por outro lado, é preciso garantir uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho com recurso às plataformas digitais, ou seja, acolher estes trabalhadores no Código do Trabalho, prevendo indícios próprios de presunção de laboralidade, para facilitar o reconhecimento de contrato de trabalho com as plataformas.
Verificados os indícios, estes trabalhadores, entende o BE, devem ser reconhecidos como trabalhadores por conta de outrem, imputando às plataformas os deveres e responsabilidades patronais previstas pelo Código do Trabalho.
Este quadro legal, acrescentam, obriga à revisão da chamada “Lei Uber” e à sua compatibilização com estas normas laborais, através, designadamente, da eliminação da figura do “operador de TVDE”.
O Bloco de Esquerda quer ainda ver regulados a utilização dos algoritmos e uma ativa fiscalização por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho, prevendo-se sanções acessórias para incumprimentos que podem passar pela suspensão ou retirada das licenças.