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Médica nega autoria de decreto para mudar a bula da cloroquina no Brasil
A médica Nise Yamaguchi negou hoje à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado brasileiro ser a autora de uma minuta de decreto que pretendia incluir na bula da cloroquina a indicação para o tratamento contra a covid-19.
“Não minutei nenhuma mudança de bula”, disse a médica, contrariando o que relataram o ex-ministro da saúde brasileiro Luiz Henrique Mandetta e o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres.
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Ambos disseram, na condição de testemunha desta investigação parlamentar que apura erros e alegas omissões na resposta dada pelo Governo brasileiro à pandemia, que ela teria, numa reunião governamental em abril do ano passado, defendido uma mudança por decreto para alterar a bula da cloroquina e incluir a sua indicação para o tratamento da covid-19.
“Não houve nenhuma tentativa de decreto de mudança de bula nessa ocasião”, afirmou Nise Yamaguchi, que acrescentou que a alegada minuta não procurava alterar a bula do remédio, mas tratava da possibilidade de os médicos receitarem a substância à população.
Em outros momentos, a médica negou saber quem fez o rascunho do decreto e caiu em contradição ao ser questionada pelos senadores.
Defensora do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina como forma de tratamento ao vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, Nise Yamaguchi também negou fazer parte de um grupo paralelo que supostamente aconselhava as ações do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no combate à pandemia.
A médica negou ter amizade com o chefe de Estado brasileiro embora tenha feito comentários em sentido oposto durante entrevistas concedidas aos ‘media’ locais e até mesmo diante dos senadores da CPI.
Nise Yamaguchi relatou, por exemplo, que foi Bolsonaro quem lhe apresentou informações sobre uma pesquisa em França que recomendava o uso da cloroquina contra a covid-19.
“Eu tive a oportunidade, no início, de receber dele [Jair Bolsonaro] a informação de que existia um tratamento que estava sendo discutido em França”, disse.
“Já tinha a informação prévia e ele me falou, numa reunião, que existia. Foi no momento inicial, e eu expliquei que precisávamos de dados científicos. Por isso, eu falaria com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de receber o medicamento e do médico de prescrever”, acrescentou.
A médica referia-se a um estudo conduzido pelo médico francês Didier Raoult que indicava a hidroxicloroquina [que tem a mesma composição da cloroquina] no tratamento da covid-19, que foi muito questionado por cientistas devido à metodologia e do número reduzido de pacientes envolvidos.
Aos senadores da CPI da covid-19, Nise Yamaguchi defendeu que a cloroquina teria sim efeito positivo em pacientes no início da doença, assim como outros remédios cuja eficácia é contestada por cientistas. Estes remédios fazem parte do chamado “tratamento precoce” defendido pela médica e por parte do Governo brasileiro.
Este ‘tratamento precoce’ tem sido criticado por especialistas, médicos e membros da CPI que consoderam que a promoção de remédios ineficazes incentiva a exposição da população, que acredita haver um tratamento para a doença quando de facto não existe e acaba por ser infetada ou até morrer.
Num momento constrangedor do depoimento, o presidente da CPI, senador Omar Aziz, chegou a dizer que Nise Yamaguchi estava a mentir logo após a exibição de um vídeo em que defendeu o ‘tratamento precoce’ como forma de salvar vidas na pandemia e que, por isso, a vacinação de toda a população não seria necessária.
“Não escutem o que ela está dizendo. Todos os brasileiros precisam de duas vacinas. (…) Quem está nos vendo neste momento não acreditem nela, tem que vacinar. A vacina salva, tratamento precoce não salva”, disse Aziz.
Contrariando declarações dadas anteriormente, a médica afirmou que nunca discutiu com Bolsonaro a chamada tese da imunidade de grupo, negou defendê-la, embora os senadores tenham apresentado vídeos em que fala no assunto.
O Presidente brasileiro defende a chamada ‘imunidade de grupo’ e já disse em mais de uma oportunidade que a pandemia só será superada quando 70% da população se contaminar pelo vírus SARS-CoV-2.
Especialistas, por outro lado, informam que esta estratégia é totalmente ineficiente contra o vírus SARS-CoV-2 devido às suas características e alta capacidade de mutação e letalidade.
Questionada inúmeras vezes sobre a sua atuação informal no Governo, Nise Yamaguchi afirmou que é colaboradora eventual em setores do Ministério da Saúde, mas negou que houvesse um grupo paralelo, ou seja, pessoas não ligadas à pasta aconselhando o Presidente brasileiro a tomar decisões sobre as políticas sanitárias adotadas no controlo da covid-19.
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