Coimbra

AAC: Antigos governantes assinalam centenário da “escola da liberdade” de Coimbra

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 15-11-2020

Antigos membros de governos PS e PSD, como Alberto Martins ou Luís Pais de Sousa, escrevem sobre o centenário da primeira sede da Associação Académica de Coimbra (AAC), instituição caraterizada como “uma escola de liberdade e democracia”.

Para assinalar os 100 anos da “Tomada da Bastilha”, em 25 de novembro de 1920, quando um grupo de 40 estudantes invadiu a Torre da Universidade e tomou de assalto o “Clube dos Lentes”, a Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa lançou em suporte digital e em papel uma edição especial da revista “Capa e Batina”, contendo de depoimentos de vários antigos presidentes da AAC e do vice-reitor da Universidade, Calvão da Silva.

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“O propósito foi assinalar esta bonita marca centenária de um evento que marcou a Academia, a nossa sempiterna AAC, e que tanto significou e significa para gerações e gerações de estudantes”, escreveu Ricardo Roque, coordenador da revista e presidente da Direção-Geral da AAC em 1984/85.

Entre os cerca de 30 depoimentos, Luís Pais de Sousa, antigo deputado, secretário de Estado da Administração Interna no Governo liderado por Durão Barroso (2002/2004) e presidente da Direção da AAC (1981/1982), definiu esta associação centenária da seguinte forma: “Espaço de debate, escola da vida – que nos determinou a coragem de ter de assumir opiniões próprias – a AAC é em si uma verdadeira escola de democracia e de exercício da liberdade”.

Francisco Leal Paiva, presidente da AAC em 1962, abordou a crise académica desse ano, sustentando que se enquadrou num “clima social e político internacional de contestação, enquanto que em Portugal se vivia com ausência das liberdades essenciais, com o espetro permanente da PIDE e, ainda, o inicio da guerra colonial”.

Correia de Campos, antigo ministro das Saúde dos governos socialistas de António Guterres e José Sócrates, que foi presidente da AAC em 1964, referiu-se também ao quadro de “repressão” que se vivia desde 1962.

“Em 1964, a vida associativa crescia em atividade e em debate. Nas assembleias magnas de então, embora sem crise à vista, ficaram memoráveis as intervenções de José Carlos Vasconcelos, Eurico Figueiredo, Rui Namorado, José Barros Moura, do lado das esquerdas; e do lado das direitas a verve iconoclástica de Francisco Lucas Pires impunha admiração e respeito. Foram ainda necessários mais dez anos para que a democracia chegasse e se pudesse afirmar”, observou.

O antigo ministro e líder parlamentar do PS Alberto Martins, que presidiu à AAC na crise académica de 1969, no seu artigo, citou palavras proferidas em 1999 por Jorge Sampaio, então Presidente da República: “Há circunstâncias que singularizam a crise de Coimbra no contexto das crises académicas do regime autoritário”.

“Em primeiro lugar, foi uma das mais duras e prolongadas lutas estudantis de sempre, que se materializou numa greve a exames, com a consequente perda de ano para um número muito considerável de alunos, e estendeu-se por vários meses. Em segundo lugar, ultrapassou claramente o âmbito exclusivo do protesto estudantil, para envolver professores, a Universidade no seu conjunto, e suscitar a adesão de uma cidade”, salientou.

Esta crise académica, de acordo com Alberto Martins, “com o tipo de instrumentos utilizados para desmobilizar e reprimir, designadamente a incorporação militar compulsiva de dezenas de participantes no movimento grevista, pôs em causa, não apenas um sistema escolar, mas um regime político autoritário, com o subsistema da repressão”.

“Não nos esqueçamos, entretanto, que a crise de Coimbra estalou poucos meses após a substituição de Salazar por Marcello Caetano à frente do Estado Novo, funcionando como teste aos propósitos liberalizadores do regime”, acrescentou.

Já após o 25 de Abril de 1974, um dos momentos mais relevantes da academia de Coimbra foi o do regresso das tradições académicas, com a oposição da extrema-esquerda, em 1979/80, quando o atual dirigente do PSD Maló de Abreu liderava esta associação.

“Há uma fotografia que quase resume o que há de mais importante na vida de um homem. Nela, durante a visita do Papa João Paulo II, está um dos meus amigos maiores, de capa e batina, em Coimbra. Ainda hoje ecoa na cidade e na Academia a pergunta sobre quem é aquele que está vestido de branco ao lado do Zé Beto?”, contou Maló de Abreu, numa alusão ao falecido José Alberto Pereira Coelho, que foi vários anos membro de conselhos nacionais do PSD.

“Somos do tempo em que a amizade era um posto. Imagino-o em paz porque o melhor dele nunca dependeu do pior de ninguém”, afirmou Maló de Abreu num artigo dedicado a “Zé Beto”, uma das figuras emblemáticas da Academia coimbrã.

Nesta edição da revista, constam ainda artigos de antigos secretários de Estado como Emídio Guerreiro (Governo de Pedro Passos Coelho), que presidiu à AAC no ano letivo de 1990/91, ou de Luís Parreirão (executivo de António Guterres), que liderou esta associação em 1983/84.

Outro dos momentos mais significativos da academia em democracia aconteceu com o regresso do nome Académica ao futebol português em 1984, depois de em 1975 a equipa de negro ter sido forçada a mudar de nome para Clube Académico de Coimbra.

“Uma ferida aberta” que foi sarada durante a presidência da AAC do socialista Ricardo Roque, “após um processo negocial, menos longo que o expectável”.

“Convictos da nossa razão e do acerto da decisão, a integração, ou mais propriamente a reintegração, foi aprovada em reunião da Direção Geral da AAC e em assembleia do

Académico. E, finalmente, em 27 de julho de 1984, foi celebrado o Protocolo de integração do CAC na casa mãe, a Associação Académica de Coimbra, como organismo autónomo. Guardo boas memórias desse ato, há mais de 36 anos”, recordou Ricardo Roque.

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