Coimbra
Este deserto é para velhos?
O número de serviços públicos encerrados nos últimos anos no país surpreendeu, pela dimensão, especialistas ouvidos pela Lusa, que alertam para os riscos de políticas que, em lugar de atenuar, agravam a tendência de despovoamento e envelhecimento do território.
Surpreendida com os mais de 6.500 serviços encerrados detetados num levantamento feito pela Lusa junto de organismos oficiais, Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, receia que estas medidas levem o interior a perder ainda mais população, não só porque uma população envelhecida precisa de mais cuidados e mais apoio como porque os mais jovens não se fixam se não existirem equipamentos de apoio social.
Isto num cenário em que a situação de despovoamento e de envelhecimento prevista de há muito surge agravada pela redução da imigração e pelo ”volume imenso de emigrantes”, sobretudo jovens em idade fértil, frisou.
Fernanda Cravidão, coordenadora e investigadora do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Coimbra, sublinha que o mapa de encerramentos mostra a consolidação de assimetrias há muito existentes no território nacional e lamenta o “fechar cego” que “parece estar a ser feito por pessoas que não conhecem verdadeiramente o território”.
“Ou se conhecem é mais grave porque vai penalizar os que já são mais penalizados”, afirmou, frisando que a gestão do território tem que ser vista “caso a caso” e não pode ser determinada por um contexto como o da crise atual.
“Só um desconhecimento do território pode explicar que se fechem todos os serviços nos mesmos locais”, disse, frisando que fica a ideia de que apenas os que são ativos e pagam impostos são válidos. “O argumento de que não há gente não pode ser argumento”, frisou.
Também Jorge Malheiros, do Núcleo de Estudos Urbanos, Migrações, Espaços e Sociedades do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, adverte que “psicologicamente fica a imagem de que estes espaços merecem um pouco menos, que são desvalorizados”.
“As pessoas ficam com a ideia de que não estão no lugar certo”, o que as leva a sair, levando à “morte dos lugares com o tempo”, adverte.
Para o demógrafo Mário Leston Bandeira, do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, se do ponto de vista racional se pode afirmar que não faz sentido existirem serviços que respondem a um número reduzido de pessoas, a verdade é que não se têm procurado perceber as verdadeiras causas do declínio demográfico.
Dando como exemplo a Alemanha, que enfrenta igualmente uma forte quebra da natalidade e o envelhecimento da população mas que possui uma economia poderosa, Mário Leston Bandeira não tem dúvidas de que é preciso investir, “fazer o que é necessário para que as regiões mais afetadas possam ressurgir através de uma economia sustentável”.
Mais de 6.500 serviços públicos encerraram desde 2000, sobretudo no norte e interior do país, e mais de 150 devem encerrar proximamente, de acordo com um levantamento feito pela agência Lusa junto de entidades oficiais locais.
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