Justiça

Atribuição manual de processos não significa que há “marosca ou viciação”

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 09-06-2020

O presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) garantiu hoje no parlamento que os casos em que houve atribuição direta ou manual de processos nos tribunais superiores não significa que tenha havido “alguma manigância, marosca ou viciação”.

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António Joaquim Piçarra falava na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias do parlamento sobre a distribuição eletrónica dos processos nos tribunais superiores, por requerimento do deputado André Ventura (Chega) e após, em março, o CSM instaurar processos disciplinares a três juízes desembargadores (Vaz das Neves, Orlando Nascimento e Rui Gonçalves) do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) e existir um processo-crime ligado ao ex-presidente do TRL, Vaz das Neves.

Joaquim Piçarra, que é também presidente do Supremo Tribunal de Justiça, salientou que o relatório preliminar do CSM que averiguou a distribuição de processos a juízes nos tribunais superiores não evidenciou “viciação ou distribuição fraudulenta” de processos, exceto 11 casos em que essa distribuição não ocorreu “em situação legal”.

O presidente do CSM revelou aos deputados que, segundo a explicação dada pelo presidente do TRL, esses “11 processos em causa” foram processos de insolvência ou processos especiais de revitalização (PER) de empresas que foram distribuídos sem sorteio a juízes recentemente chegados ao TRL, numa altura em que nem todos os desembargadores estavam habilitados a manobrar o sistema informático CITIUS que serve os tribunais superiores.

Joaquim Piçarra notou que o relatório que aludiu na Comissão Parlamentar é ainda preliminar (tem 45 folhas) e que as conclusões finais serão levadas a plenário do CSM (órgão de gestão e disciplina dos juízes) no próximo dia 23 ou a 07 de julho.

O presidente do CSM referiu que a “checagem” feita na averiguação permite concluir que o sistema de distribuição eletrónica garante a aleatoriedade, mas observou que o algoritmo informático que acompanha o sistema “tem que ser melhorado” e que os técnicos do IGFEJ (Instituto de Gestão e Equipamentos da Justiça) estão a trabalhar para ultrapassar os problemas surgidos.

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“O problema do algoritmo é matéria da exclusiva competência do Ministério da Justiça (MJ) e considerada matéria em segredo de Estado. Não sei [como funciona] e mesmo que soubesse estaria submetido ao segredo de Estado”, afirmou o também presidente do STJ.

Joaquim Piçarra não avançou datas previsíveis para a conclusão dos processos disciplinares aos três desembargadores do TRL, mas manifestou total confiança no trabalho que está a ser desenvolvido pelo inspetor designado pelo CSM, bem como num prazo razoável e célere para a conclusão dos mesmos.

Depois de Joaquim Piçarra ter dito que foi “uma surpresa enorme para o CSM” as notícias que relatavam viciação no sorteio de processos no TRL, a deputada Mónica Quintela (PSD) lembrou que, antes e várias vezes, o Ministério Público declarara, em processos mediáticos, querer assistir presencialmente ao sorteio do processo em causa, transmitindo a ideia de que algo não era fiável.

A deputada vincou que quem insere os dados no sistema é o funcionário e garantiu que já assistiu a sorteios de processos em que só foram inseridos os nomes de dois magistrados, limitando assim em muito a aleatoriedade exigida por lei.

Mónica Quintela criticou também que seja apenas sorteado o juiz relator do processo e não os adjuntos, fomentando eventuais cumplicidades e dando origem que alguns adjuntos assinem de cruz conforme aconteceu em casos “tristemente célebres”.

Joaquim Piçarra replicou que o parlamento é competente para mudar a lei quanto ao sorteio também dos adjuntos e assegurou que qualquer cidadão pode assistir ‘in loco’ ao sorteio do processo em que está envolvido, sendo isso sinal de transparência.

Revelou ainda que o CSM recebeu “duas ou três queixas” de pessoas que “não tiveram ganho de causa e querem saber como o seu processo foi distribuído”, mas não adiantou mais pormenores.

O relatório preliminar do CSM sobre a distribuição de processos realizada entre janeiro de 2017 e até aos dias de hoje considerou legítimas todas as atribuições manuais efetuadas e não recomenda a instauração de qualquer procedimento disciplinar.

Segundo o relatório, as diferenças nos procedimentos de distribuição verificadas detetadas têm fundamento na autonomia administrativa de cada tribunal superior, sendo, contudo, recomendada uma maior uniformização no procedimento de sorteio eletrónico totalmente automático.

No documento, elaborado pelo juiz conselheiro António Oliveira Abreu, é recomendada uma avaliação com técnicos informáticos do IGFEJ e representantes dos tribunais superiores para que sejam uniformizados os procedimentos de modo a permitir que toda a distribuição processual seja, tendencialmente, por sorteio eletrónico, “para que a distribuição processual deixe de suscitar qualquer dúvida acerca do princípio do juiz natural”.

A averiguação do CSM abrangeu tribunais superiores (Tribunais da Relação de Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e Guimarães e Supremo Tribunal de Justiça) e tinha como objetivo verificar se existiram comportamentos censuráveis e fazer uma avaliação para eventuais recomendações de alteração. Não incidiu sobre o funcionamento do algoritmo informático de distribuição de processos.

A atribuição não aleatória de processos — distribuição manual – é uma imposição legal em diversas situações, tendo ocorrido em 2.458 casos no Tribunal da Relação de Lisboa, 963 no Tribunal da Relação do Porto, 1.271 no Tribunal da Relação de Coimbra.

No Tribunal da Relação de Guimarães foram distribuídos aos juízes de forma manual 748 dos casos, e no de Évora foram 1.011 processos. No Supremo Tribunal de Justiça foram atribuídos 486 processos em três anos.

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