Políticos
CIA “seguiu” o “boss Cunhal” desde 1948
Os “passos” do líder histórico dos comunistas portugueses, ou “communist boss Cunhal”, foram seguidos pela CIA, “secreta” dos Estados Unidos, desde 1948 revela um telegrama que retratava as divergências dentro do PCP com Júlio Fogaça.
No telegrama, datado de 24 de novembro de 1948, a CIA descreve “informações” segundo as quais Álvaro Cunhal (1913-2005), “chamado de secretário-geral do Partido Comunista Português”, está “a perder poder” no partido, embora “seja considerado o líder”.
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No documento, parcialmente desclassificado em 2016 e agora consultável no “site” da CIA (https://www.cia.gov/library/readingroom/home), pode ler-se que “o sentimento anti-Cunhal é atribuído à importância crescente de um tal FUGACA [Júlio Fogaça, 1907-1980], sobre quem não há detalhes conhecidos”.
E é referido que o próprio Cunhal teria sido “’censurado’ pelo Cominform”, organização internacional liderada pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) criada com o objetivo de promover o intercâmbio de informações e coordenar as ações dos vários partidos comunistas da Europa.
Olhando a história do PCP, que completa 99 anos na sexta-feira, esta descrição coincide com alguns relatos feitos, muitos anos depois, sobre os dois dirigentes rivais nos livros “Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, ‘Duarte’, o Dirigente Clandestino”, de José Pacheco Pereira (ed. Temas e Debates, 2001) e ainda “Júlio de Melo Fogaça”, de Adelino Cunha (ed. Desassossego, 2018).
Por essa altura, na década 40 do século passado, já Álvaro Cunhal tinha sido preso pela primeira vez (1937) e libertado no ano seguinte. E assumiu um lugar dirigente em 1940, quando é preso pela segunda vez e passa à clandestinidade no ano seguinte.
No IV congresso, em 1946, na clandestinidade, na Lousã, é o homem que mais tempo liderou um partido em Portugal, o PCP (32 anos, de 1961 a 1992), quem apresenta o relatório que serviu de base a toda a estratégia dos comunistas nas décadas seguintes, “O Caminho para o Derrubamento do Fascismo”, e esteve na base das divergências com Júlio Fogaça.
E é também no congresso da Lousã, precisamente, que fez prevalecer as suas ideias contra a linha de Fogaça e a sua “política de transição pacífica”, que admitia uma convergência tática com “forças burguesas” de oposição à ditadura ou até com dissidentes do salazarismo, em vez do “levantamento popular” defendido por Cunhal.
Na verdade, as tensões internas continuaram e só dois anos depois do IV congresso, em novembro de 1948, Júlio Fogaça reconheceu a derrota perante Álvaro Cunhal. A “luta” entre “Daniel”, pseudónimo de Cunhal, e “Ramiro”, o de Fogaça, prolongou-se, porém, nos anos seguintes, até à década de 1950, anos em que o futuro líder está preso pela ditadura e permitiu a Fogaça uma aproximação da direção.
Por essa altura também, em 1948, aquele que veio a ser o líder histórico dos comunistas já tinha feito uma segunda visita à União Soviética, com o nome de código “Tarefa I”, em que o objetivo era tentar reatar as relações do PCP com o PCUS e pôr fim a mais de dez anos de isolamento internacional.
Passado um ano, em 1949, é elaborado um novo relatório da CIA sobre a prisão, em 1949, do dirigente comunista, onde se descreve um aumento da atividade dos comunistas como reação à detenção de Cunhal.
E refere, igualmente, que Cunhal não “falou” nos interrogatórios e “recusou-se a revelar detalhes das suas atividades ou dar qualquer informação relativamente ao partido”.
Sem ser exaustivo, os diversos departamentos norte-americanos, da CIA ao Departamento de Estado, ficaram atentos, ao longo dos anos, ao que fazia Cunhal, em especial depois do golpe de 25 de Abril de 1974 e durante o chamado processo revolucionário do “Verão Quente”.
São às centenas os telegramas arquivados no Departamento de Estado e que foram sendo desclassificados ao longo dos anos: sempre que Cunhal dava uma entrevista, fosse em França, no Brasil ou na Checoslováquia, havia uma embaixada ou consulado norte-americano a fazer um telegrama.
Em dezembro de 1974, escassos meses após o 25 de Abril, Cunhal, então ministro sem pasta no Governo provisório, esteve em Moscovo para reatar as relações entre Portugal e a União Soviética, o rival dos Estados Unidos num mundo dividido na chamada Guerra Fria.
A CIA produziu um relatório com base em “fontes de informação sensíveis” sobre as conversações com Moscovo em que “os regimes comunistas de Leste” concordaram “não ser muito determinados” no apoio ao PCP porque isso “poderia custar algum do apoio interno” em Portugal ao partido de Cunhal.
O “chefe do partido comunista português Cunhal” (“portuguese communist party boss Cunhal”, em inglês) relatou em Moscovo, de acordo com esse documento, que “a base de apoio do partido ainda é fraca” em Portugal, que os “partidos centristas tinham um inesperado apoio” e que ele “não poderia parecer muito à esquerda” para “não pôr em causa a sua posição”.
Os soviéticos, recordando a “experiência chilena” e o esmagamento do Governo de Salvador Allende pela extrema-direita de Pinochet, em setembro de 1973, com o apoio dos Estados Unidos, “aceitou relutantemente os argumentos de Cunhal e passou a mensagem para os seus aliados da Europa de Leste”.
No ano seguinte, em 1975, um mês antes do 11 de Março, a tentativa golpista do general António de Spínola e seus apoiantes, Cunhal alertava que os “rumores de golpe” andavam de boca em boca, de manchete em manchete, lê-se em mais um telegrama do Departamento de Estado norte-americano.
O telegrama 00880, de 14 de fevereiro, do embaixador norte-americano em Lisboa Frank Carlucci para o Departamento de Estado, versava uma entrevista do líder comunista à revista brasileira “Veja”. Segundo Carlucci, Cunhal falava em risco de golpe da direita, e até de guerra civil, para tentar “arrefecer” os rumores de que o PCP estaria a preparar a tomada do poder – uma preocupação em Washington numa altura de Guerra Fria e em que o mundo estava dividido entre Leste e Oeste, entre as esferas dos EUA e da URSS.
Álvaro Cunhal e o PCP “sobreviveram” à revolução de 1974-75, contra a vontade dos mais extremistas que depois do 25 de Novembro defendiam a sua ilegalização, manteve representação parlamentar como um partido institucional, embora afirmando-se como “um partido “marxista-leninista”.
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