Coimbra
Geringonça: Artes pacificadas com modelo de apoio revisto à espera de resultados
A entrada em vigor do novo modelo de apoio às artes, em março deste ano, com a abertura dos respetivos concursos até ao final desse mês, veio pacificar o setor, que aguarda ainda os resultados nesta versão definitiva.
O compromisso da tutela da cultura em abrir os concursos até ao final do primeiro trimestre para evitar os habituais atrasos de vários meses, com impactos negativos na atividade dos artistas e agentes culturais, era há muito reclamado nesta área.
Além dos atrasos, a carga burocrática e a escassez de verbas têm sido críticas constantes neste setor, que reúne centenas de estruturas e associações culturais por todo o país, sobretudo da área do teatro, mas também da dança, música, circo e artes visuais.
Em março deste ano, abriram os concursos bienais de apoio às artes da Direção-Geral das Artes (DGArtes), organismo que organiza os concursos, com uma verba total disponível de 18,6 milhões de euros, mais dois milhões de euros face ao último montante a concurso.
Também foram abertos os concursos do Programa de Apoio Sustentado bienal, para as seis áreas de criação, com 12,8 milhões de euros, e da programação, com 5,8 milhões, para 2020-2021, bem como as candidaturas ao Programa de Apoio a Projetos – Procedimento Simplificado, nos domínios da circulação nacional, edição, formação, internacionalização e investigação, num total de 190 mil euros, e ao programa de apoio a projetos, no domínio da internacionalização — este já com resultados anunciados –, com um montante total de 260 mil euros.
No ano passado, a contestação inédita, a nível nacional dos artistas de várias áreas, desde o teatro às artes plásticas, contra o novo modelo de apoio às artes, a falta de incentivos e apoios financeiros, marcou fortemente o panorama da cultura.
Os protestos surgiram no início de 2018, depois da adoção, pela anterior tutela, liderada pelo ex-ministro Luís Filipe Castro Mendes, de um novo modelo que tinha sido alvo de uma auscultação aos artistas e seus representantes, antes da entrada em vigor.
No entanto, os artistas começaram a insurgir-se assim que saíram os resultados provisórios dos concursos de apoio às artes e a contestação culminou, em abril de 2018, com manifestações em Lisboa, Porto, Coimbra, Beja, Funchal e Ponta Delgada, em que os artistas, sobretudo das áreas do teatro, música, cinema e dança, se concentraram para exigir medidas.
Os protestos levaram à intervenção do primeiro-ministro, António Costa, que deu garantias de que seria iniciado um trabalho concertado entre os diferentes agentes e a tutela, com vista a nova revisão do modelo de apoio.
E provocaram também a subida dos valores previstos para os concursos do Programa de Apoio Sustentado, nos anos de 2018 a 2021, que tinham partido com um montante global de 64,5 milhões de euros, tendo o valor final sido fixado em 83,04 milhões, para os quatro anos, conforme publicado então em Diário da República.
Na altura foi também criado um grupo de trabalho com representantes dos agentes culturais, e as propostas, na sua maioria, incluídas no modelo final, depois de vários encontros durante o verão, até gerar consensos.
A nova tutela, liderada por Graça Fonseca, anunciou depois 25 milhões de euros para o apoio às artes, na proposta de Orçamento do Estado para este ano, com um valor anual de 8,8 milhões de euros destinado aos apoios sustentados bienais (2020-2021).
A versão definitiva do novo modelo viria a ser publicada a 01 de março deste ano, revista e simplificada, depois de uma consulta pública, em duas portarias que visavam clarificar os procedimentos sobre a atribuição de apoios financeiros estatais a estruturas artísticas e culturais.
Entre as alterações introduzidas está a eliminação da “exigência de obtenção de pontuação mínima de 60% em cada um dos critérios de apreciação no programa de apoio sustentado e de apoio a projetos”. A partir de agora apenas é preciso ter uma “pontuação mínima no global da candidatura”.
“Simplifica-se a informação que os candidatos devem apresentar na candidatura aos apoios sustentados, passando a ser necessário apresentar o plano de atividades e orçamento detalhado apenas para o primeiro ano de atividade, devendo, quanto aos anos seguintes, ser apresentada uma breve síntese”, lê-se nas portarias publicadas, na altura, em Diário da República.
O modelo propõe mais transparência nos júris dos concursos, ao definir que “os membros das comissões de avaliação não podem integrar, em qualquer circunstância, a comissão de apreciação do concurso que lhe sucede”.
Continua a prever três programas – apoio sustentado, apoio a projetos e em parceria – em artes performativas (circo contemporâneo e artes de rua, dança, música e teatro), artes visuais (arquitetura, artes plásticas, design, fotografia e novos media) e em cruzamento disciplinar.
Os apoios financeiros destinam-se a vários momentos da atividade artística, como criação, programação, internacionalização, circulação de obras, residências e interpretação.
Em dezembro passado, a ministra Graça Fonseca, em entrevista à agência Lusa, explicou que grande parte das alterações introduzidas ao modelo de apoio às artes tinha sido decidida “de forma consensual”, pelo grupo de trabalho com representantes do setor.
Graça Fonseca anunciou então que o Orçamento do Estado para 2019 contemplava 25 milhões de euros para o apoio às artes, através da DGArtes, com um aumento de 16% face a 2018.
O ano passado também ficou marcado, nesta área, pela nomeação do atual diretor-geral das Artes, Américo Rodrigues, duas semanas depois de o Ministério da Cultura ter anunciado – e poucas horas depois anulado – a nomeação de Susana Graça como nova diretora-geral das Artes, devido à existência de um contencioso com a tutela.
Nomeado em fevereiro, em substituição de Sílvia Belo Câmara – que não quis continuar no cargo -, o programador cultural Américo Rodrigues, disse, na altura, à Lusa, que tinha recebido orientações da ministra da Cultura para “simplificar processos” na aplicação do modelo de apoio às artes.
“O que define o meu perfil é que sou da prática, venho do território, porque fui programador, criador, porque vivi no país real e sei da importância que tem o trabalho artístico de qualidade e [sei] que há coisas que têm de ser transformadas”, afirmou o antigo diretor do Teatro Municipal da Guarda.
Em declarações à Lusa, no passado dia 15, disse que espera um ambiente “totalmente pacífico” com a comunidade artística, e que o seu objetivo, desde a tomada de posse, em fevereiro, é “normalizar as relações” entre os artistas e a DGArtes.
Adiantou ainda que os resultados relativos ao Programa de Apoio Sustentado às Artes devem ser conhecidos em setembro, e que os Apoios em Parceria, depois do convite feito a municípios, para a apresentação de projetos, na sequência do Programa de Revitalização do Pinhal Interior, deverão alargar-se em breve ao apoio ao desenvolvimento de projetos culturais nas prisões, mobilizando, no total destas duas áreas, meio milhão de euros.
Sobre o procedimento simplificado, Américo Rodrigues anunciou a possível revisão das regras de admissão de candidaturas, em 2020.
Américo Rodrigues, que nasceu na Guarda em 1961, foi diretor do Teatro Municipal da Guarda (2005-2013) e coordenador da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço (2005-2018) naquele concelho.
Licenciado em Língua e Cultura Portuguesas pela Universidade da Beira Interior e Mestre em Ciências da Fala pela Universidade de Aveiro, Américo Rodrigues é poeta, ator, encenador, ‘performer’ na área da poesia sonora e programador cultural.
Além disso, é um dos fundadores do coletivo Aquilo Teatro, da Associação Luzlinar e da Associação Cultural/Teatro do CalaFrio. No campo das letras, coordenou os cadernos de poesia “Aquilo” (1982- 1997) e foi codiretor da revista Boca de Incêndio (2004-2006), entre outras publicações.
Em 2011, foi distinguido com a Medalha de Mérito Cultural, pelo contributo para o desenvolvimento cultural da região da Guarda.
Ana Goulão | Lusa
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