Câmaras
Geringonça: Descentralização marcou a legislatura no domínio do poder local
A aprovação da descentralização para autarquias e entidades intermunicipais marcou a legislatura no domínio do poder local, apesar de diplomas setoriais por publicar, e faltando ainda eleições diretas nas áreas metropolitanas ou a reorganização territorial das freguesias.
Apontada pelo primeiro-ministro, António Costa, como “pedra angular” da reforma do Estado, a transferência de competências para as autarquias tem caminho para trilhar, mas para o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, o processo vai “no sentido certo” e deve ser construído “passo a passo”.
O governante considerou “essencial consolidar as competências” previstas na lei-quadro, que os municípios podem aceitar gradualmente até 2021, bem como “ir mais além”, nomeadamente no reforço de atribuições e “eleição democrática das áreas metropolitanas”.
António Costa chegou a defender a eleição direta dos presidentes das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, nas autárquicas de 2017, mas o processo ficou adiado para a próxima legislatura.
O parlamento aprovou em julho de 2018 a lei-quadro da transferência de competências para autarquias e entidades intermunicipais, com votos a favor de PS e PSD, abstenção do CDS-PP e votos contra do BE, PCP, PEV e PAN, enquanto a revisão da Lei das Finanças Locais só teve votos favoráveis de socialistas e sociais-democratas.
A aprovação dos dois documentos foi viabilizada por um acordo entre o Governo e o PSD, embora o entendimento entre os dois principais partidos tenha sido abalado com a demora na “consensualização” dos diplomas de cada área a transferir com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
O secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, admitiu à Lusa que o processo “é um grande salto”, o que justifica os municípios precisarem “de algum tempo para se adaptarem” e assumirem gradualmente as novas competências.
O Governo aprovou 23 diplomas setoriais, dos quais estão publicados 21, e enviou ao parlamento uma proposta de lei para os municípios participarem na segurança contra incêndios em edifícios, aprovada na sexta-feira.
As câmaras vão assumir competências nas praias, jogos de fortuna ou azar, vias de comunicação, justiça, associações de bombeiros, atendimento ao cidadão, habitação, património público sem utilização, estacionamento, educação, cultura e saúde.
Podem também assumir a gestão florestal, policiamento de proximidade, transportes em vias navegáveis interiores, áreas portuárias, ação social e áreas protegidas.
O parlamento, no âmbito da apreciação da transferência na saúde animal e segurança dos alimentos, requerida por BE, CDS-PP, PAN e PCP, aprovou na sexta-feira a cessação de vigência deste diploma, com votos contra do PS e a favor dos restantes partidos.
Para as entidades intermunicipais são transferidas a promoção turística e fundos europeus e captação de investimento, podendo também chamar a si justiça, bombeiros voluntários, educação, saúde e transportes em vias navegáveis interiores.
As freguesias, além do atendimento ao cidadão, assumirão competências transferidas dos municípios.
O secretário de Estado explicou que faltam publicar dois diplomas, da cogestão das áreas protegidas, “em afinação de texto” para enviar ao Presidente da República, e da ação social, que remete para quatro portarias, das quais apenas duas estão em concertação com a ANMP.
As portarias em falta “são mais complicadas em termos administrativos e têm peso financeiro”, devido aos meios a transferir pelo trabalho com as instituições particulares de solidariedade social que transita para as câmaras.
Carlos Miguel notou que a proposta governamental de reorganização territorial das freguesias, para corrigir eventuais casos de agregação ou extinção na anterior reforma, é um “documento de trabalho, que precisa de ser dialogado e melhorado”, atualmente em análise pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre).
O presidente da ANMP, Manuel Machado, apontou a descentralização como “uma reforma prioritária do Estado”, na linha da “recuperação de diversas formas de autonomia local” e da revisão da Lei das Finanças Locais, mesmo que ainda não integralmente cumprida.
O também presidente da Câmara de Coimbra espera que as comissões de acompanhamento, para avaliarem os meios a transferir para as autarquias em cada setor governativo, permitam chegar a 2021 com municípios que “se revejam” na descentralização.
“O trabalho a desenvolver entre os municípios e o Governo, com o acompanhamento das comissões, nos próximos dois anos, será decisivo para a monitorização do processo de transferência de competências, nomeadamente da adequabilidade dos recursos humanos e financeiros a cada área”, frisou o socialista.
“A revisão da Lei das Finanças Locais e a aprovação da lei-quadro da descentralização, e dos diplomas setoriais, foram momentos altos do sublinhar do princípio constitucional da autonomia do poder local nesta legislatura”, afirmou à Lusa o presidente da Anafre, Pedro Cegonho.
Para o também presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique (Lisboa), aprovados os diplomas da descentralização, é tempo de estimar “os recursos necessários às novas competências, adequá-las à realidade de cada município e de cada freguesia, com princípios de equidade e universalidade dos serviços públicos”.
De acordo com dados provisórios da Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), com base nas comunicações das câmaras que não aceitam competências em 2019, dos 278 concelhos do continente, pelo menos 84 municípios vão assumir responsabilidades na educação já no próximo ano letivo.
Segundo a DGAL, 224 municípios aceitaram no mínimo uma competência, enquanto 54 municípios, que não aceitaram qualquer atribuição no primeiro ano, podem comunicar até setembro se assumem alguma em 2020.
Do acordo entre o Governo e o PSD saiu também a criação da Comissão Independente para a Descentralização, com a missão de “promover um estudo aprofundado sobre a organização e funções do Estado, aos níveis regional, metropolitano e intermunicipal”.
O mandato da comissão termina em 31 de julho de 2019, limite para apresentação dos estudos e relatórios sobre desconcentração de entidades e serviços públicos, bem como de um novo processo de regionalização administrativa do país, no horizonte da próxima legislatura.
Luís Filipe Sebastião | Lusa
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