Coimbra
Empreiteiros locais recusam trabalhar com consórcios na reconstrução das casas que arderam em 2017
O processo de reconstrução das casas afetadas pelos incêndios de outubro de 2017, com empreitadas consignadas a grandes empresas, demora a avançar no terreno e uma das respostas para o atraso pode estar na recusa dos empreiteiros locais.
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Os consórcios de empresas que ficaram responsáveis por empreitadas de dezenas de casas afetadas pelos incêndios de outubro de 2017 recebem cerca de 649 euros por metro quadrado mais IVA (valor máximo definido pelo Governo), mas, quando procuram empreiteiros locais para participarem nas obras, oferecem entre 450 a 500 euros por metro quadrado e prazos apertados.
De oito empreiteiros locais contactados pela agência Lusa de Arganil, Oliveira do Hospital e Tondela, sete receberam convites dos consórcios – alguns vários convites – para reconstruírem uma, duas ou três casas. Todos disseram que rejeitaram os convites e referem que a forma como o processo foi conduzido pode trazer grandes complicações no terreno: questionam também a capacidade desses consórcios para encontrarem empreiteiros que aceitem trabalhar por 450 euros por metro quadrado.
Isto porque, para além do preço ser baixo, segundo referem os empreiteiros, já é difícil dar resposta aos pedidos recorrentes de obras nos seus concelhos – um efeito da crise de 2008 que teve um especial impacto neste setor, com fecho de empresas e emigração de trabalhadores à procura de oportunidades noutros países.
Luís Simões, empreiteiro de Arganil, conta à Lusa que já foi convidado pelos consórcios, mas diz que não tem hipótese de aceitar.
“Tenho dez homens e quatro obras de raiz para fazer, obras que não têm nada a ver com os incêndios. Para mim, até agosto do próximo ano, não posso aceitar nada”, frisa, considerando que mesmo para dar resposta aos pedidos normais já é difícil. “É muito complicado arranjar mão-de-obra”, diz.
José Alvoeiro, com uma empresa de construção que trabalha entre Góis e Arganil, também já recusou vários pedidos e critica a forma como o processo foi liderado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC).
“Os ‘gaviões’ apanharam as casas todas e depois, como não têm pessoal, convidam os de cá. Já me contactaram várias dessas empresas, mas eu não faço”, frisa, referindo que até há habitações afetadas para reconstruir ao lado da sua casa, mas não aceita o processo e o preço oferecido pelos consórcios: “Abaixo dos 550 euros não se consegue fazer”.
José Alvoeiro defende que, em vez de grandes consórcios, a reconstrução deveria ter sido dividida em lotes mais pequenos para os empreiteiros locais. “Até quatro casas conseguia suportar com a minha pequena empresa, mas a uma obra de um milhão não consigo concorrer”.
Também António Correia, gerente de uma empresa de construção de Tondela, defende uma distribuição dos processos pelas pequenas empresas.
“O Estado devia dar todo o património para reconstruir aos empreiteiros do concelho. Somos nós que estamos aqui, que pagamos impostos aqui, não são essas empresas da Batalha ou de Matosinhos [que lideram consórcios]. O dinheiro está a ser levado para outro sítio e essas empresas estão a propor 400 ou 500 euros por metro quadrado aos empreiteiros locais, à espera que o dinheiro lhes chegue, sentados num escritório”, criticou.
O empreiteiro não acredita que nenhum dos seus colegas aceite essas condições, tal como ele não aceitou.
“Além do preço baixo [que os consórcios propõem], não podia aceitar as condições de pagamento. Tínhamos que avançar com o trabalho e o material durante 30 dias, depois seria avaliado o trabalho nos próximos 30 dias e depois mais dez para dar ordens de faturar. Setenta dias ou mais para o pagamento não são condições para a nossa empresa trabalhar”, frisou.
Jorge Martins, responsável pela execução de obras de outra empresa de Tondela, refere que a sua empresa andou, logo a seguir aos fogos, a dar orçamentos das reconstruções, durante 15 dias, “de manhã à noite”.
“Fizemos isso e depois entregaram tudo a duas ou três empresas. Ficámos feitos palhaços a dar preços”, protesta.
Depois do processo ter sido entregue a consórcios, recusaram qualquer participação em obras: “Dissemos logo que não, ainda para mais já temos e tínhamos trabalho a mais. Foram eles que aceitaram esse processo, agora eles que o façam”.
Em Oliveira do Hospital, a história repete-se.
Fernando Coelho, gerente de uma empresa de construção civil local, recusou todos os pedidos dos consórcios para fazer uma ou duas obras, com preços entre “os 450 e os 500 euros”.
“Se dessem as 200 casas às 79 empresas que há no concelho, já estariam feitas e pelo mesmo preço. Devia ter-se distribuído por processos pequenos em vez de entregarem tudo aos grandes. Mas os grandes não têm empregados de produção, têm engenheiros e encarregados. Acho que vão ter grandes dificuldades em subcontratar”, notou.
Para além destas empresas de construção civil contactadas pela Lusa, há uma, a CIP, de Oliveira do Hospital, que não recebeu qualquer convite, mas há uma explicação para isso. Foi uma das quatro empresas do concelho convidadas pela Câmara e pela CCDRC para reconstruir as casas afetadas naquele município, numa proposta de um consórcio local.
Todas as empresas recusaram, face ao preço acordado – 649 euros por metro quadrado, um valor estanque definido em portaria, que não permitia grande margem de manobra, explica o diretor geral da empresa, Pedro Machado.
O preço para uma reconstrução normal é justo, explicou o diretor geral. Mas, no terreno, é possível ver que há muitos casos atípicos, de habitações construídas no meio da serra, sem acessos e que tornariam o transporte de materiais muito mais complexo e moroso, o que faz com que os 650 euros sejam incomportáveis, sublinhou.
“A Câmara e a CCDRC sempre se mostraram interessados em que as casas fossem para as empresas do concelho. Houve essa vontade e esse empenho e ninguém pode dizer o contrário. O problema era o preço. Como tinha uma portaria que ditava o preço de 650 euros por metro quadrado, não era possível dar volta a isso”, acrescentou.
Por isso, as quatro empresas recusaram o convite, disse à Lusa Pedro Machado. Seguiram-se os consórcios, muitas vezes com empresas de fora da região, que aceitaram o preço por metro quadrado.
Se não fosse essa portaria, Pedro Machado acredita que as reconstruções teriam sido entregues a empresas locais e já “estariam noutro patamar e com outro ritmo”.
A agência Lusa tentou explicações junto de várias das empresas que assumiram as grandes empreitadas, mas não recebeu qualquer resposta sobre o processo.
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